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     ... Peguem o livro, fechem a porta do quarto, desliguem-se do mundo lá fora e viajem com o escritor: deixem-se levar pela história ...

O MURIALDO, DE ARARANGUÁ
Amilcar Neves (*)

A professora Luciana dá aulas de Literatura para o ensino médio (antigo segundo grau, mais antigo ainda curso colegial, antiqüíssimo clássico ou científico) do Colégio Murialdo, em Araranguá. O Murialdo é uma escola particular mantida por padres católicos. Araranguá, com 55 mil almas, é uma das mais importantes cidades da Região Sul de Santa Catarina. Santa Catarina é um estado pequeno, modesto, de parco território e exígua população frente aos números grandiosos que descrevem a Federação a que se deu o nome de Brasil. O Colégio, numa iniciativa própria, que se compromete a repetir todo ano, acaba de promover o III Seminário de Escritores com o objetivo de valorizar e sedimentar a cultura literária catarinense.

Recentemente, a professora Luciana deparou-se com o problema da compreensão, isto é, da leitura de uma das obras relacionadas para o vestibular das universidades federal e estadual de Santa Catarina: alguns alunos, ou vários deles, ou muitos, ou quase todos aqueles que se aventuraram a desbravar o livro começaram a dar sinais eloqüentes de esgotamento em função da alegada complexidade do texto. Afinal, eles teriam que entender profundamente cada detalhe das histórias narradas no livro, dissecar impecavelmente todos os personagens e não-personagens que vagam por aquelas páginas, definir com precisão a escola literária a que se filia o autor, cujas biografia e idiossincrasias devem orientar, e de certa forma condicionar, o estilo, as peripécias, os diálogos e sua forma de narrar os contos - tinham por obrigação, enfim, não guardar sombra de dúvida ao cabo das leituras, tantas quantas fossem necessárias.

A tal ponto as coisas estavam chegando, logo no início da leitura conjunta do livro em sala de aula, que um dos alunos aventou a possibilidade de que o autor da obra estaria com certeza passando por graves problemas psicológicos e sentimentais quando a escreveu. Outro estudante questionou sobre a razão, que lhe parecia assaz estranha, de o escritor incluir cenas eróticas no texto, o que levou a colega ao lado a inquirir se seriam, tais passagens picantes, autobiográficas ou ficcionais, ou seja, reais, vividas por ele, ou apenas de mentirinha.

 receita da professora Luciana, e que se revelou milagrosa (tanto a receita quanto a Luciana, afinal), resume-se a um sábio conselho: "Peguem o livro, fechem a porta do quarto, desliguem-se do mundo lá fora e viajem com o escritor: deixem-se levar pela história e pelo que ela propõe e sugere. Aproveitem o clima do texto, relaxem e... gozem - vocês irão descobrir enfim, maravilhados, o imenso prazer da leitura. Feito isso, as questões teóricas, depois, se tornarão absurdamente simples e fáceis."

- E o resultado desse processo, professora?

- Maravilhoso! Eles adoraram o livro e conseguiram interpretar o texto com criatividade, alinhando idéias ricas e originais. O texto automaticamente deixou de ser complexo. Só continuam a ter problemas dois ou três alunos certinhos e formais, que insistem em identificar na obra elementos teóricos ao invés de degustar o sabor da narrativa, como se a lessem com esquadro e compasso.
                                                                           

(*) Amilcar Neves nasceu em Tubarão, SC, em 24 de abril de 1947, formou-se em engenharia mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina em 1969. Começou a publicar com 15 anos de idade. Participa de diversas coletâneas e ganhou prêmios literários no Brasil e no exterior. No momento, assina crônicas às quartas-feiras no jornal Diário Catarinense, de Florianópolis, cidade em que reside. De sua autoria, já saíram os livros O Insidioso Fato – algumas historinhas cínicas e moralistas (contos, 1979), Dança de Fantasmas (contos de amor) (1984), Movimentos Automáticos (novela, 1988), Relatos de Sonhos e de Lutas (contos, 1991) e Pai sem Computador (novela juvenil, 1993). Em 2005 sairá, em co-autoria com Francisco José Pereira, o volume O Tempo de Eduardo.

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