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Na falta do
vínculo docente, o projeto pedagógico e o
currículo escolar transformam-se numa
grande peça de ficção(...) |
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VÍNCULO DOCENTE, LEITURA E QUALIDADE DO ENSINO
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Comissão
Editorial
Não existe nada de
mais pernicioso à educação formal de uma criança do
que a chamada "dança das cadeiras" do professores,
ou seja, a rotatividade ininterrupta de docentes por
entre as escolas de uma rede de ensino. Esse
fenômeno, tão corriqueiro em nosso meio educacional,
provoca conseqüências nefastas para as práticas de
ensino-aprendizagem, afetando negativamente a vida
dos professores e dos alunos.
A essência das interações de cunho pedagógico é, sem
dúvida, o diálogo. A caminhada que o professor
planeja em direção ao conhecimento, levando consigo
um grupo de estudantes, impõe, como pré-requisito,
que o diálogo esteja presente. Sem o componente
dialógico, que aproxima ou "cola" as pessoas
envolvidas no processo, a entrada no mundo do saber
fica extremamente difícil ou até mesmo impossível de
ser viabilizada.
O diálogo pedagógico possui duas características
bastante diferenciadas e marcantes: a confiança e a
abertura dos indivíduos envolvidos. De fato, sem o
estabelecimento de relações com base na confiança,
os estudantes não se colocam ao professor na
dimensão da autenticidade. Daí, muitas vezes, o
surgimento do medo, do fingimento, da indisciplina e
de outros males que geralmente estão presentes em
ambientes de risco ou desconfiança.
Mas a confiança recíproca - neste caso, entre
professor e alunos - não se desenvolve da noite para
o dia, principalmente em decorrência dos múltiplos
resquícios de autoritarismo e conservadorismo ainda
encontrados nos contextos de escolarização. Por
outro lado, sabe-se que a confiança não nasce ao
acaso ou abruptamente - ela somente pode se
desenvolver com a passagem do tempo e dentro de
situações em que as pessoas têm a oportunidade do
reencontro contínuo.
O vínculo do professor com uma mesma organização
escolar assume importância fundamental para a
consolidação de um coletivo docente, reconhecido
pelo conjunto dos estudantes. Além disso, essa
ligação mais duradoura ou permanente é que vai
possibilitar a produção de programas de ensino
atendendo a critérios de seqüência e unidade de
conteúdos dentro do currículo. Do contrário, ou
seja, com a troca constante de professores, o risco
de desorganização e até mesmo de improvisação é
muito maior, fazendo o trabalho docente patinar no
mesmo lugar pelas leis do "eterno recomeçar".
O vínculo docente, além de facilitar a produção de
planos significativos e o estabelecimento da
confiança junto ao alunado, é ainda imprescindível
para as relações que devem existir entre a escola e
a comunidade. De fato, caso os educadores não
finquem raízes dentro de uma mesma escola, nesta
permanecendo por um bom tempo, as chances de
conhecimento e análise do bairro ou região serão
minimizadas. Neste caso, a escola transforma-se num
mero "ponto" para uma passagem rápida do professor
ou, como se diz no jargão pedagógico, para uma
"remoção" a uma escola mais aprazível.
A conseqüência desse passa-passa é fácil de
antever: o ensino perde o seu vigor e a sua
significação, tornando praticamente impossível o
atendimento de quaisquer critérios de qualidade. Na
falta do vínculo docente, o projeto pedagógico e o
currículo escolar transformam-se numa grande peça
de ficção mesmo porque os seus "autores" não
permanecem no mesmo contexto a fim operacionalizar e
avaliar aquilo que foi planejado. Na falta do
vínculo docente, a escola perde a sua identidade
mesmo porque a identidade de uma escola resulta
primordialmente da imagem construída pelo seu corpo
docente ao longo do tempo. |