|
Entrevista

voltar
menu revista 08 |
|
.... não deve haver qualquer preocupação em
produzir escritores, mas, sim, formar
pessoas e isso tem a ver com investimento
sério em educação pública. Antes de falar em
formar escritores é preciso cuidar da
educação. |
-
LITERATURA,
MÍDIA, INTERNET
-
Entrevista com
Alcir Pécora
Alcir Pécora está
ligado à Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), onde é diretor do Instituto de Estudos da
Linguagem (IEL), desde 1973. Primeiro, como aluno no
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, depois ao
fazer o complemento do estudo em letras. Em 1977,
assumiu pela primeira vez o cargo de professor;
antes, fez artes plásticas na Pontifícia
Universidade Católica de Campinas. Nesta entrevista,
Pécora fala de sua experiência à frente do instituto
e, principalmente, sobre literatura. Ele duvida que
a literatura possa ter lugar na vida atual de uma
forma que pautemos nossa vida por meio dela em busca
de respostas. Aproveita e desanca supostos
escritores de Internet. “O sujeito pode até produzir
boa literatura na Internet, mas não será pelo fato
de dominar a tecnologia”, afirma. Aproveita também e
fala sobre sua outra paixão: o rock.
Literatura sempre foi sua primeira opção?
Desde que me conheço por gente pensei em
estudar literatura. Nunca pensei fazer outra coisa.
Depois do curso de letras, em 1977, fiz pós em
teoria literária e, no ano seguinte, passei a dar
aulas na Unicamp, época em que Antonio Cândido
estava formando o IEL. Gostava também muito de
retórica e minha formação está toda ligada a textos
e autores de referência, como Marx, Freud etc.
Ao assumir, no ano passado, a direção do Instituto
de Estudos da Linguagem- Unicamp você teve em mente
algum projeto em especial?
Basicamente precisei conseguir dinheiro para o
departamento, pois queríamos investir de maneira
forte em pesquisa e disputar projetos internamente
(na própria Unicamp) e externamente, por meio de
entidades como a Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo), entre outras. Mas
também precisávamos de dinheiro para equipar
tecnicamente o espaço, da rede de fios elétricos a
banheiros e setor de informática. E, felizmente, com
apoio da Reitoria, conseguimos muitas coisas,
levando em conta que qualquer setor ligado à área de
humanas passa por situação difícil, não só na
universidade pública. É complicado pensar que a
maior parte do orçamento seja comprometida com folha
de pagamento, o que impede qualquer tipo de
investimento em pesquisa. O importante, hoje, é ter
capacidade de competir, por exemplo com os setores
de exatas, que são altamente competitivos, com
projetos em nível internacional.
Por que a área de humanas enfrenta esse tipo de
dificuldade?
Por causa do baixo nível de impacto do que
produz. Para se ter idéia, as exatas têm revistas
científicas editadas no Brasil e escritas em inglês.
Ou seja, o impacto do que se pesquisa incide
internacionalmente. Os projetos de humanas são todos
escritos em português. O campo das humanas está em
crise de paradigma. O que nos formou, autores que
citei acima, como Freud e Marx, não são mais
hegemônicos. Há excesso de especificidade, por
exemplo, o que é positivo em se tratando das áreas
exatas, mas não em humanas. Mas isso ocorre muito.
São tratados diluídos de itens que perderam o
sentido e não provocam impacto algum. E se não tem
impacto, de que valem? Crises são boas, mas é
preciso criar algo capaz de interferir e, para isso,
é necessário aprofundar a crise. Não sou pessimista,
mas tampouco nostálgico. Mas no presente não temos
nada pronto.
Você escreveu um artigo recente desancando a
literatura que se produz hoje em dia...
A primeira coisa a dizer sobre a literatura é
que escrever não é preciso. Um escritor moderno não
tem utilidade alguma. E ninguém precisa da escrita
do escritor medíocre. Quando o autor senta-se para
escrever ele já começa devendo, porque ninguém pediu
para ele escrever. E antigamente havia certo pudor
do escritor em mostrar seus escritos para alguém.
Hoje a gente recebe de tudo como spam. Todo mundo se
mostra, mas isso não significa criatividade. E uma
das coisas que se valoriza muito atualmente é o
marketing, além de se criar geração de tudo,
coletânea de tudo.
O que você acha dos blogs?
Blog é uma conversa entre os próprios
blogueiros, os amigos. É um espaço para todo mundo
falar, mas ninguém lê. Se juntar tudo não dá um
livro relevante. Assim como são desinteressantes
esses eventos literários como a Flip, em que importa
comentar que um escritor tal tomou caipirinha com
fulano de tal, e coisas desse tipo. São eventos que
apenas criam celebridades fajutas.
Quem, no Brasil, merece respeito como escritor?
Vou citar duas pessoas que sempre exerceram a
escrita como algo que pauta a vida deles, que se
dedicaram integralmente ao ato de escrever: a Hilda
Hilts e o Roberto Piva [Pécora organizou a reedição
dos 21 livros de Hilda, e os três de Piva, pela
editora Globo; o terceiro de Piva ainda não foi
publicado]. Nem gosto sempre dos dois, mas ambos
estão unidos pela determinação de fazer literatura.
Eles fazem uma literatura exigente, quase
devocional. Também poderia citar o Eustáquio Gomes,
que faz algo completamente fora da moda, não tem
senso de marketing, tem uma literatura de viés
provinciana, mas é coesa, tem estilo e se empenha,
mas quem fala dele? O jogo do marketing não
significa nada para a literatura. Moda passa como
cometa e não tem importância alguma e só incentiva o
aspecto da celebridade, mas não tem compromisso
radical com nada.
O que precisaria mudar em relação a isso?
Simplesmente não deve haver qualquer
preocupação em produzir escritores, mas, sim, formar
pessoas e isso tem a ver com investimento sério em
educação pública. Antes de falar em formar
escritores é preciso cuidar da educação.
Mas os Estados Unidos incentivam a criação de
escritores...
Sim, lá eles têm produção literária mainstream,
mas também há muitos independentes; aqui é tudo
independente. Quem consegue divulgar um pouco do que
faz são aqueles que estão ligados a editoras que têm
acesso aos grandes jornais.
O que você acha da literatura feita pela Internet?
Os que defendem a ciberliteratura dizem que os
modelos usados são eruditos, mas com outra
linguagem. Ocorre que isso não necessariamente
desemboca em literatura. Estão hiper-vulgarizando os
velhos modelos; não que devam ser contra o modelo
tecnológico, mas ele não gera nada em si mesmo. O
sujeito pode até produzir boa literatura na
Internet, mas não será pelo fato de dominar a
tecnologia. O que em geral tem acontecido é uma
banalização da escrita. Não tenho nada contra a
Internet, pelo contrário, mas a grande literatura
não é decorrência da evolução tecnológica. Até
porque nem sei se podemos falar de uma grande
literatura contemporânea, não é natural que haja
grandes escritores, pode ser que a literatura não
tenha mais lugar na vida atual de uma forma que
pautemos nossa vida nela em busca de respostas.
Você acredita que tudo já foi dito ou realizado?
Não podemos determinar o fim da história. As
coisas acontecem de acordo com as circunstâncias da
própria história. Mas existe uma hiper-banalização
da escrita, uma inflação, mas ela vale cada vez
menos. Vamos pensar no critério geracional. A
palavra geração supõe-se ruptura em relação à
tradição. A chamada Geração 90 foi puro marketing
apresentado como novidade, a começar pela
apresentação arcaica, quadrada, do currículo do
escritor, ou seja, se pretendeu ser o mais eterno
possível. E as informações do tal currículo seguiam
os mesmos padrões acadêmicos, ou seja, não havia
ruptura alguma. Pareceu mais um grupo de escritores
da Vila Madalena (bairro paulistano), tudo coisa de
ocasião, que não leva a nada.
Você acha que manifestações desse tipo só são
possíveis por causa da mídia?
Acho meio rançoso essa história de demonizar a
mídia. Tenho o maior respeito pelo jornal, grande
parte da minha formação veio dele, pois seus
articulistas eram gente de peso da cultura nacional,
como Antônio Cândido, Otto Maria Carpeaux, entre
muitos outros. Não é a mídia em si, mas lamento que
a resenha, que sempre foi importante, tenha, hoje,
cada vez menos espaço. Sempre escrevi para jornais e
tive, digamos, essa militância pública. Como citei
Carpeaux, as resenhas dele tinham 12 mil toques,
hoje não podem passar de 4 mil. Hoje há um excesso
de preocupação com o local, o provinciano; há
jornais que valorizam a participam de leigos fazendo
fotos e criando textos, que é uma forma de competir
com a Internet. Mas entendo que o papel do jornal
hoje é ser analista.
De onde vem seu interesse pela obra de Padre Vieira?
Morei, entre 2004 e 2005, em Roma, onde fui
trabalhar no Arquivo Romano da Companhia de Jesus, a
fim de pesquisar sobre Vieira – aliás, o resultado
desse estudo será apresentado num dos congressos
sobre Vieira, neste ano que se completam quatro
séculos de seu nascimento. Pesquisei um material
novo que era a correspondência interna dos jesuítas,
as cartas escritas entre eles. Havia a carta ao
público e as cartas privadas. E nessas cartas há uma
espécie de glossário dos sermões de Vieira. Esse
trabalho, O Glossário de Vieira, será publicado pela
editora Hedra. (Pécora tem outros livros sobre
Antonio Vieira). O que mais me impressiona na obra
dele é o domínio do idioma; ele é um gênio de
perfeição lingüística, faz o que quer com a língua.
São frases extraordinárias que me chamaram a atenção
especialmente por causa da estrutura. Ler Vieira
cresceu muito em mim a consciência da escrita.
Ao mesmo tempo em que aprecia a erudição de Vieira,
você tem forte ligação com o rock, música popular.
De onde vem isso?
São duas fontes que não conversam entre si.
Desde garoto ouvi e coleciono discos de rock. Tenho
um pouco esse lance do colecionador, meio
enciclopédico, de conhecer tudo, mapear. Mas não
faço qualquer conexão entre Vieira e o rock. Nem
quando me perguntam sobre a “poesia” do rock, eu
digo, não é poesia coisa alguma, é letra de rock, só
isso. Mesmo os melhores letristas não passam de
letristas. O que tenho a dizer sobre esses meus dois
lados é que as pessoas são complexas, têm interesses
diversos, mas não vejo contradição nisso, não é
esquizofrênico.
Mas você costuma ir a concertos de rock?
Não, mas por falta de tempo. Eu trabalho muito
ouvindo música. Tive quatro filhos e sempre
trabalhei com eles escutando música bem alta. Mas
tenho acompanhado a evolução do rock desde sempre,
mas não leio revistas especializadas. A internet me
ajuda a me atualizar, descubro nos sites, pesquiso,
vou atrás, mas sempre entre os independentes ou,
então, os mais midiáticos que, posteriormente viram
clássicos.
Que banda atual você gosta?
Posso citar a Acid Mother’s Temple, uma banda
psicodélica japonesa. Outras: Isis, Man of Porn.
Gosto de todo tipo de rock. Os vocalistas são muito
banais, por isso prefiro os músicos.
E de literatura? O que lê e gosta?
Leio literatura do século 17. É a isso que me
dedico metade das minhas leituras. Li muitos
clássicos, mas, hoje, quase tudo o que leio e de
forma profissional, para poder escrever. É trabalho.
A poesia está em crise, então eu prefiro também ler
os clássicos: Drumond, João Cabral. Até os
concretos, como os irmãos Campos, que eu não
gostava, hoje parecem gigantes diante do que
apareceu depois. E, claro, Hilda Hilst e Roberto
Piva.
O que você pensa de Campinas?
Campinas não é o Interior da pracinha com
coreto, moda de viola ou coisa assim, mas tampouco é
a periferia de uma grande cidade como São Paulo -
por exemplo, Santo André -, onde há pulsação, uma
agitação com vida própria. Na verdade ela tem os
dois e, justamente por isso, não tem consistência
própria, é provinciana. Só há um caminho para
Campinas: assumir que é uma grande cidade, investir
na cultura internacional e buscar o ser cosmopolita.
Obs: Entrevista
inicialmente concedida a João Nunes e publicada pelo
Jornal Correio Popular de Campinas. Aqui reeditada
para maior alcance das reflexões do entrevistado.
ALGUNS LIVROS DE ALCIR PÉCORA
|