|
Artigo

voltar
menu revista 09 |
|
...Então
como explicar que durante séculos as mulheres, os
negros, os homossexuais, os regionalismos... foram
sempre colocados à margem daquilo que era/é tido
como padrão criacional? |
-
POR UM
ESTUDO CULTURAL E DE ALTERIDADE
Valter César Andrade Junior
(*)
|
Resumo: A
partir de uma crítica à sociedade globalizada,
capitalista e excludente, tece-se considerações
sobre a função transformadora da literatura e
alguns escritores brasileiros que representam
essa transformação.
Palavras-chave: Literatura. Alteridade.
Ficção |
Abstract:
Critically analysing the excludent, capitalistic
and global society, we make considerations about
the transforming functions of literature and
mention some Brazilian writers that represent
that transformation.
Palabras-clave: Literature. Alterity.
Fiction |
Partir do
princípio de compreensão do termo literatura é,
sem dúvida, um modo seguro para se chegar a um
entendimento da sua função enquanto produto
humano para a sociedade que abarca o próprio
homem, agente do processo. Ouvimos com
freqüência que a arte tem por finalidade a
própria arte; ela é um fim em si mesma. O que
não significa que não tenha alguma utilidade.
É a partir daí que compreendemos que a
literatura enquanto produto do homem – produto
tal que retrata a alma – não pode reduzir-se ao
caráter capitalista das finalidades atuais. Ao
contrário, ela deve exercer seu papel de
elemento da cultura, sendo, pois, um reduto de
luta a protestar contra a utilização do homem
como objeto descartável, bem como a seletividade
daquilo que atende a um cânone literário
excludente e transgressor de limites, no que diz
respeito à alteridade.
Ora, no bojo destas questões ouvimos, também,
com exaustiva freqüência que a literatura, do
ponto de vista estético, está para a
universalidade, vendo o homem de todas as
sociedades e de todas as classes como o mesmo.
Então como explicar que durante séculos as
mulheres, os negros, os homossexuais, os
regionalismos, entre outras classes foram sempre
colocados à margem daquilo que era/é tido como
padrão criacional? Será que estão fadados ao
esquecimento de um cânone perverso, machista,
corporativista? Não se trata aqui de colocar à
prova a veracidade de que a literatura deva
tender, de fato, à universalidade. Entretanto,
reivindica-se nesses questionamentos a aceitação
da existência de uma diversidade poética na
produção literária tanto nacional, quanto de
toda América Latina.
Já nos fins do século XX respirávamos o
alvorecer de uma nova consciência voltada para a
valorização do outro, no que diz respeito à
produção artística. Mas, se buscarmos subsídios
a partir da ascensão de uma sociedade
pós-colonialista (entendida aqui como sendo a
partir do movimento de vanguardas), já
encontraremos ecos significativos de busca de
valores da alteridade. Parte do uno para o
múltiplo.
Se observarmos, por exemplo, a construção da
identidade nacional em José de Alencar
encontraremos um índio europeizado, como uma
figura muito mais voltada, quiçá, também, para o
modelo de um deus do Olimpo, do que a figura de
homem rude, embrenhado numa mata densa e
pertencente a uma comunidade marcada por
características próprias. Sobre este aspecto,
Zilá Bernd apud Marli Fantini Scarpelli et
Eduardo de Assis Duarte, expõe:
Ficam excluídos
do projeto alencariano os negros, pois, à época,
o que interessava ao autor era dar ao povo
brasileiro uma ancestralidade ilustre composta
pelo português, Martin, e pela nobre índia
Iracema. Moacyr, o fruto do amor dos dois
heróis, é o povo brasileiro, ficando deste modo
elidida a presença negra que, embora chegada ao
Brasil desde os primeiros anos da colonização e
integrando efetivamente a etnia brasileira,
trazia o estigma degradante da escravidão.
Em outro
extremo está, ao que parece, Jorge Amado que,
apesar de marginalizado em sua criação
literária, tentou construir com certo rigor a
baianidade. Dava voz aos personagens postos no
lixo da sociedade, trabalhando, sobretudo com
prostitutas e carregadores do cais
soteropolitano e, quando não, partia em direção
ao sul da Bahia, a fim de explorar o ‘material
literário’ abundante por entre trabalhadores da
lavoura do cacau. Expôs, também, diante de uma
sociedade cristã, na maioria católica, a figura
de pais de santo do Candomblé (religião
africana), a exemplo de Jubiabá: homem místico,
mas que sentia arder na carne o desejo latente
de estar sempre em contato com o prazer sexual.
Isto não quer dizer, porém, que Jorge Amado via
a Bahia tão somente desta forma, mas isto que
ele escolheu para abordar em sua obra; este é o
caráter de alteridade deixado por ele.
Por outro lado, assistimos à construção da idéia
de transformar o mundo numa grande aldeia
unificada. Daí advém a globalização, mas esta
numa perspectiva de reconstrução da cidadania
universal, com um ideário de união dos povos,
buscando a paz mundial e erradicando, sobretudo,
a fome. Como a literatura está ligada ao
cultural/social, haveríamos de saborear também a
adoção de aceitação ante a multiplicidade da
produção literária. Entretanto, tudo se assentou
no princípio cruel do capitalismo e, o que era
para ser elo entre os povos, o entre-lugar,
tornou-se a imagem de um terrorismo financeiro e
subjugo dos países economicamente desfavorecidos
em relação aos chamados de ‘primeiro mundo’.
Confirmando isto, Benjamin Abdala Junior apud
Fantini et Duarte, alude que
É errôneo,
nesse sentido, designarmos globalização a esse
processo perverso. Globalização pressupõe
reciprocidade, e esta não existe nas relações
norte/sul. Assim, também nossa produção
literária acaba sucumbida por este processo de
dominação.
Ressaltemos,
para melhor compreensão, em que nível se dá a
universalidade abordada já no início deste
texto, no que tange a uma concepção de
alteridade. Um exemplo disso encontramos em
Guimarães Rosa, que busca sair de uma linguagem
‘regionalista ridicularizada’ para algo
‘sublime’ – sem, porém fugir às raízes –
renovando a língua literária, podendo, assim,
apresentá-la para o mundo. Sobre a
universalidade deste literato, a própria Fantini
afirma:
Ao ultrapassar
as barreiras do seu ponto de partida
contingente, o universo ficcional rosiano ganha
dimensões interculturais e transnacionais. Neste
processo Rosa dá sua parcela significativa na
construção e solidificação de um cânone da
América Latina.
Desta feita, os
discursos marginalizados vão tomando corpo e
forma na construção de uma abordagem literária
livre das algemas de um dogma ‘universal’, posto
numa relação subalterna de nossa parte, já que o
recebemos e temos de nos submeter a ele.
Entretanto, uma nova luz brilha no túnel da
produção artística nacional e de toda a América
Latina. Também salientamos, atentar para um
cuidado quanto às expectativas, para que não
caiamos na mesma utopia que o próprio Rosa, numa
citação utilizada por Fantini, o fez:
Estou
firmemente convencido, e por isso estou aqui
falando com você, de que no ano 2000 a
literatura mundial estará orientada para a
América Latina; o papel que um dia desempenharam
Berlim, Paris, Madrid ou Roma, também
Petersburgo ou Viena, será desempenhado pelo
Rio, Bahia, Buenos Aires. O século colonialismo
terminou definitivamente.
Sabemos que
ainda há muito a desbravar, mas tudo já foi
iniciado.
Bibliografia
HARVEY, David. Condição pós-moderna.
São Paulo: Loyola, 1993.
MATOS, Raimundo Lopes. Modernidade e
pós-modernidade em Vicente Huidobro- Poema
Martin. PUC-SP, 1992 (Tese de Doutorado
inédita).
PARENTE, André. (org.). Imagem-máquina: a
era das tecnologias do virtual. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1993.
PUCHEU, Alberto (org.). Poesia (e)
filosofia. Rio de Janeiro: Sette Letras,
1998
SCARPELLI, Marli Fantini, DUARTE,
Eduardo A. (org.). Poéticas da diversidade.
Belo Horizonte: PosLit/Fale, 2002.
SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da
Literatura. e. 6. São Paulo: Ática, 1997.
(Série Princípios).
SCHWARTZ, Jorge. Vanguardas
latino-americanas – polêmicas, manifestos e
textos críticos. São Paulo:
EDUSP/Iluminuras/FAPESP, 1995.
_________________. Vanguarda e Cosmopolitismo.
São Paulo: Perspectiva, 1993. (Coleção Estudos).
*
Valter Cezar Andrade Junior.
Graduado em Letras pela
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e
especializado em Leitura e Literatura
Infanto-Juvenil pela mesma universidade.
Leia
mais ensaios sobre leitura |