Depoimento

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... pediria hoje ao gênio da lâmpada maravilhosa, vêm à mente questões que não envolvem mais o universo ao meu redor. São pedidos que ultrapassam a pequenez da existência.

MEU DIREITO AOS TRÊS DESEJOS
  Daniela Prandi *
Uma idéia me persegue desde a infância: a do aparecimento de um gênio da lâmpada mágica que me oferece o direito a três pedidos. Talvez a culpa seja da série Jeannie é um Gênio e de todos aqueles desenhos animados que tanto animavam minhas solitárias tardes em frente à TV na infância — uso óculos desde os 5 anos de idade e não era sempre que as crianças da rua queriam a companhia da menina “quatro-olhos”. O engraçado é que, a cada época da minha vida, os três pedidos acompanharam meu crescimento, tanto físico quanto intelectual. Nunca deixei de listá-los mentalmente, quase como um ato lúdico, uma terapia brincalhona, principalmente naquelas horas em que a cabeça está tão cheia que a gente busca algo para não pensar ou quando se quer afastar algum sentimento ruim, uma raiva qualquer, uma frustração. “Ah, é assim? Pois se eu tivesse direito a três pedidos mágicos eu resolveria isso...”

Há os três pedidos que surgem de um estalo, como um susto, e outros bem mais elaborados. Conforme fui acumulando aniversários, os desejos acompanharam a tal “maturidade” — se é que desenvolver um tipo de comportamento desse possa ser visto como algo “maduro”. Quatro décadas de vida depois, o gênio da lâmpada mágica parece ter acompanhado a minha “evolução”, por mais risível que o conceito possa ser.
Na adolescência, quando a aparência importa muito, quando uma simples espinha na testa impede que se aproveite a balada, os pedidos sempre iam na direção da estética. Meu gênio imaginário deve ter se cansado das tantas vezes que pedi para ser bonita... Sempre achei que o dom da beleza abriria portas e me desvendaria mundos até então proibidos. Outro pedido: ter um namorado, qualquer um que fosse, o importante era não estar sozinha. E mais um, o terceiro e derradeiro: conseguir realizar o sonho de ser jornalista. Nenhum gênio à vista — e toquei a vida adiante.

Na faculdade, prestes a virar jornalista e muitos namorados depois — e já não tão preocupada com os padrões estéticos — os desejos eram mais relacionados ao futuro, profissional e pessoal. Conseguir um bom emprego, ser reconhecida pelos meus textos, amar e ser amada, ser uma boa pessoa... mais egocentrismo, impossível. Tudo girava em torno de mim, eu era o centro do meu próprio universo, com a arrogância típica da juventude. Atitude que, hoje, tardiamente, sei que afastou muitos amigos e oportunidades profissionais.
Os anos passaram, alguns bons empregos vieram e outros se foram, um sólido e feliz casamento me espera em casa há mais de uma década e a questão estética foi trocada pela busca da qualidade de vida. Tomei importantes decisões como não mais contaminar o meu corpo com fumaças e afins e busco atitudes saudáveis para poder viver em paz e em harmonia. Optei por acordar cedo, orar a Deus, agradecer por cada dia que nasce, sem depender de nenhuma mágica para viver melhor.

Em um momento como esse, pensando no que pediria hoje ao gênio da lâmpada maravilhosa, vêm à mente questões que não envolvem mais o universo ao meu redor. São pedidos que ultrapassam a pequenez da existência. Pediria para as pessoas serem mais gentis. Para exercitarem a educação. Para tratarem o próximo como gostariam de ser tratadas, tanto no universo pessoal quanto no profissional. Com tantas teorias a respeito de gestão de pessoas, é inconcebível que ainda haja tanto sofrimento e desesperança no ambiente de trabalho. É triste também ver famílias separadas por paredes, onde cada um vive a seu modo, com a sua própria TV, sem se importar com o outro. É comovente a solidão a dois de alguns casais que nem se olham mais nos olhos. Causa estranhamento entrar em um café desses mais descolados na Rua Oscar Freire, em São Paulo, e observar as mesas: cada freqüentador com seu laptop, com o olhar vidrado na tela e ninguém para conversar ao vivo.

Por isso, transformarei os três desejos em um e peço ao gênio um upgrade — para usar uma linguagem moderna — nas relações humanas. E só.
* Daniela Prandi - Editora do Caderno Cultura, Jornal Correio Popular, Campinas, SP.
 

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