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... o discurso
(materialidade oral e escrito) é o objetivo do
usuário, a gramática é uma das ferramentas, um meio
para análise daquele, não da classificação pura; a
gramática não é o fim em si mesma... |
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DISCURSO EM
AÇÃO, GRAMÁTICA EM DISCUSSÃO
Ada Magaly Matias Brasileiro
(*)
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Resumo: O
texto que segue enfoca a situação atual do
ensino da gramática na escola, bem como a
dualidade ainda existente entre a perspectiva
tradicional e a do discurso. Além de uma análise
situacional, apresenta também uma sugestão de
trabalho na qual se eliminem os radicalismos
teóricos e que se encontre um consenso entre as
partes.
Palavras-chave: Ensino de Gramática.
Gramática Tradicional. Discurso. |
Abstract:
The next text reveals the present situation of
the grammar teaching in the school, and the
duality yet existent between traditional and
discursive perspectives. Beyond the situational
analysis, presents too a suggestion work that
the theoretical radicalisms will be eliminated
and that itself meet a consensus between the
parts.
Key words:
Grammar Teatching. Traditional Grammar.
Discourse. |
CONSIDERAÇÕES
INICIAIS
Radicalismo nunca foi sinônimo de sucesso. Isso
também está evidente no que se refere ao ensino
da Língua Materna. Desde que os estudiosos da
linguagem apontaram o discurso como seu objeto
de estudo e que se verificou a ineficiência do
ensino da gramática nas escolas, o fato
lingüístico deixou de ser a motivação principal
das aulas de Português. Conseqüentemente, o uso
da gramática passou a ser visto como
ultrapassado e com certo preconceito pela
comunidade científica.
Nesse panorama divergente, especialistas e
usuários concordam em um ponto: a qualidade das
gramáticas e de suas definições tradicionais não
reflete uma realidade lingüística e, por si só,
não contribui para a melhoria do desempenho dos
usuários, uma vez que não mais satisfaz às
exigências modernas. A gramática é, pois, objeto
de discussão nos ambientes acadêmicos.
Nessa área, contudo, para que os estudos se
desenvolvam e a sociedade lucre, é necessário
aceitar que sempre há novas descobertas e novas
interpretações de velhos fatos lingüísticos. Ou
seja, as novas descobertas dizem respeito ao
discurso e as reinterpretações, ao modo como se
pode utilizar a tão criticada Gramática
Tradicional; o discurso (materialidade oral e
escrito) é o objetivo do usuário, a gramática é
uma das ferramentas, um meio para análise
daquele, não da classificação pura; a gramática
não é o fim em si mesma.
Diante deste quadro e também na condição de
estudiosa e profissional da língua materna, a
abordagem que aqui proponho é uma modesta
análise da situação atual do ensino de
Português. Inicialmente, destaco as definições
de gramática tradicional e perspectiva do
discurso; a seguir, procedo a uma exploração de
exemplos colhidos em circunstâncias discursivas,
realizando uma análise comparativa. As
informações teóricas e a análise do corpus
selecionado subsidiaram o desenho da dualidade
por que passa a língua materna.
UMA
TESE GRAMATICAL E UMA ANTÍTESE DISCURSIVA
Em busca da reformulação da gramática e do
ensino, vários passos já foram dados. Alguns
suscitam apenas a crítica pela crítica e
abominam a gramática tradicional, a ponto de
cobrar dela o que nunca foi seu objetivo; outros
provocam debates no intuito de se chegar a um
consenso; outros, ainda, arriscam alternativas
viáveis que amenizem, principalmente, a angústia
dos profissionais de ensino.
A gramática tradicional, prescritiva ou
descritiva surgiu na Grécia, no séc. II a.C. e
sempre foi entendida como um instrumento
pré-requisito do discurso, cujas formas
abstratas são fixadas metodologicamente e
arranjadas paradigmaticamente, consistindo num
sistema único de regras apropriadas ao idioma.
Tal sistema possibilita, por exemplo, o ensino
de uma língua estrangeira. Entretanto, conforme
expõe o Paul Hopper (1998:158-162) ela “defende
a eficácia constante do sistema de linguagem e
postula um falante/ouvinte perfeito em uma
comunidade de linguagem completamente
homogênea”.
Partindo dessas afirmativas, percebe-se, com
facilidade, a base equivocada em que a gramática
tradicional se estruturou, uma vez que esse
falante/ouvinte ideal, essa comunidade de
linguagem homogênea, esse sistema único de
regras não existem, não passam de uma ilusão
teórica.
Uma antítese do ponto de vista discursivo se
contrapôs a essa tese. Nessa perspectiva,
aprende-se uma língua não através da memorização
da regra abstrata, mas sim por meio da prática
social de produção de textos. Isto significa que
todo discurso é uma construção social, não
individual, e que só pode ser analisado
considerando seu contexto histórico-social, suas
condições de produção, que reflete uma visão de
mundo determinada e vinculada à do autor e à
sociedade em que vive.
O que acontece, portanto, é uma simples inversão
de posição: a gramática, que era pré-requisito
do discurso, passa a uma situação de produto
dele, uma vez que é o próprio discurso que
implementa as estruturas. Por outro lado, vale
ressaltar que o discurso nunca é observado sem a
estrutura da gramática.
ANÁLISE DE EVENTOS
LINGÜÍSTICOS E DISCUSSÃO
Como ilustração, analisemos alguns exemplos:
(1) Alugam-se salas. X Aluga-se salas.
(2) Faça isso e você apanha!
(3) Júlia está feliz. X Júlia está aqui.
Em (1), temos um confronto de concordância
verbal: de um lado, há a concordância defendida
tradicionalmente, que classifica o “SE” como
partícula apassivadora do sujeito “salas”, o que
obriga o verbo a ficar no plural. Por outro
lado, tem-se o emprego do fato lingüístico no
próprio discurso, no uso real. Ali, o “SE” está
empregado como um marcador de sujeito
indeterminado, ou seja, alguém aluga salas. Tal
emprego é comum tanto na língua falada quanto na
escrita.
No exemplo (2), a conjunção “e”, normalmente
classificada como conjunção coordenativa
aditiva, está assumindo a “função de
subordinativa condicional, com um grau de
dependência menor.” (DECAT, 1999:29).
As sentenças (3) são exemplos de incoerência
e falsa definição existentes na gramática
tradicional. Para os tradicionalistas, os verbos
de ligação são aqueles que não possuem
transitividade; servem apenas para ligar o
sujeito ao seu predicativo. São eles: ser,
estar, permanecer, parecer, ficar, andar,
continuar. Na oração “Júlia está aqui.” o verbo
estar funciona como intransitivo, e não como
ligação, afinal, aqui não é predicativo de
Júlia.
Esses e inúmeros outros exemplos servem de
argumento para provar que a língua não pode ser
considerada uma estrutura pré-fabricada, pois o
locutor, freqüentemente, vê-se obrigado a
“sacrificar” a sintaxe em favor das necessidades
de interação, a fim de garantir a compreensão de
seus enunciados. Passa-se, conforme Koch
(2001:71), de uma explicação puramente sintática
a uma explicação semântico-pragmática. É fato
que as recorrências gramaticais são construídas
no discurso e não vice-versa, mas também é fato
que, ao produzir ou analisar um texto, o usuário
obtém um melhor desempenho quando conhece as
normas gramaticais.
O que não pode continuar acontecendo é que as
academias ordenem a extinção do estudo
gramatical nas escolas e, depois, elas mesmas
lancem mão desse estudo em análises de discursos
ou em questões de vestibulares. Isso é
incoerente! É urgente que se encontre a síntese
entre as duas vertentes, trabalhando o fato
gramatical vinculado a situações comunicativas,
ao papel sintático e semântico que exerce em
contextos reais, não de maneira isolada ou em
textos forjados para fins específicos.
A tarefa é difícil e lenta. Os tempos são outros
e exigem outras posturas, como cuidado,
sacrifício e tolerância.
REFERÊNCIAS
DECAT, Maria Beatriz N. “Por uma abordagem
da (in)dependência de cláusulas à luz da Noção
de ‘unidade informacional’.” Scripta,
Belo Horizonte, PUC-MINAS, v. 2, n.4, 1º sem.
1999, p. 23-38.
HOPPER, Paul. “Emergent Grammar”. IN:
TOMASELLO, Michael (ed) The New
Psichology og Language (Cognitive and Funcional
Approaches to Language Structure). Lahwah.
New Jersey/London: Lawrence Erlbaum Associates,
Publischers, 1998, Chapter 6, p- 155-175).
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça.
Concordância Associativa. Scripta, Belo
Horizonte, PUC-MINAS, v.4, n.7, 1º sem. 2001, p.
69-77.
PERINI, Mário A. Gramática descritiva do
português. 4. ed. São Paulo: Ática, 2001.
* Ada Magaly Matias Brasileiro -
Graduada em Letras (Português, Inglês e
Literaturas); especialista em Língua Portuguesa e
Lingüística; mestra em Língua Portuguesa pela PUC
Minas. Atua hoje como professora na área de
Comunicação Escrita e Oral e Metodologia Científica,
na graduação e pós-graduação na Faculdade Pitágoras.
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