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... aprendemos que o uso de estratégias, além de auxiliar na compreensão do texto pelos alunos, pode ainda motivar as crianças, oferecer-lhes finalidades, objetivos para leitura, ativar seus conhecimentos ....

 A LEITURA NA ESCOLA: ESTRATÉGIAS DE COMPREENSÃO DE LEITURA
Regina J. Copes, Vera Lúcia M. Benassi & Esméria Saveli (UEPG) 

Resumo: A partir de parâmetros fornecidos por Isabel Solé, mostra-se um exemplo de aplicação de estratégias de compreensão em leitura. São delineados os procedimentos das fases antes, durante e depois da leitura.
Palavras-chave: estratégia de leitura, compreensão, competência.

Abstract: Based on parameters proposed by Isael Sole, it is shown the aplication of strategies for reading compreension. It is brought about procedures before, during and after reading.
Key words:
reading strategy, comprehension. Ability.

Este artigo pretende relatar uma experiência de leitura desenvolvida em sala de aula com alunos da 5ª séries do Ensino Fundamental no Instituto de Educação Estadual Prof. César Prieto Martinez no Município de Ponta Grossa, Paraná. Essa atividade requereu um planejamento de aula em que se desenvolveram práticas de leitura por meio das estratégias de compreensão de leitura segundo Solé (1998), a partir do texto ”A pé em Peabiru” de Miguel Sanches Neto. Durante a aplicação das estratégias percebemos que os alunos apresentam muitas dificuldades para a compreensão do texto e portanto necessitam de um professor mediador; contudo, participaram ativamente da aula e atingiram os objetivos propostos. Nesse caso, entendemos que o desenvolvimento de estratégias de leitura pode contribuir para inverter o baixo rendimento escolar dos alunos, uma vez que a mídia tem divulgado que o Brasil ocupa o 37º lugar no rank de letramento entre os países.

CONTEXTO DO RELATO

Em nossas caminhadas enquanto professoras de Língua Portuguesa e pesquisadoras das questões relacionadas às políticas públicas de incentivo à leitura e às práticas de leitura no cotidiano escolar, temos buscado saber qual é o valor social que a leitura assume na vida de cada um de nós, uma vez que ler é um instrumento necessário à sobrevivência, ao mundo do trabalho, à luta por melhores condições de vida.

Todavia, despertar o interesse dos alunos pela leitura tem sido uma tarefa árdua tanto da família quanto da escola. Essas têm sido vistas como instituições capazes de despertar o gosto pela leitura. Assim, a família e a escola têm papel importante na formação dos leitores, pois elas se colocam como mediadoras na interação entre autor/texto/leitor. No entanto, as famílias, muitas vezes, não dão conta desse processo e transferem a responsabilidade totalmente à escola. Dessa forma, a escola tem o reconhecimento social de ser um dos espaços privilegiados para desenvolver nas crianças e jovens a cultura da leitura.

Isto não é o que se tem visto acontecer, uma vez que o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), o Sistema Nacional de Avaliação de Educação Básica (SAEB) e a Prova Brasil divulgaram que os índices de aprendizagem dos alunos são insatisfatórios em relação à leitura – as capacidades de ler, escrever e interpretar. Essa situação de fracasso escolar revela o estado precário do sistema educacional brasileiro que não tem conseguido desenvolver nos alunos as capacidades de compreensão de leitura.

Esses sistemas de avaliações têm por objetivo medir até que ponto os jovens estão preparados para enfrentar os desafios de conhecimento das sociedades de hoje. Eles não avaliam apenas os conhecimentos que os alunos têm de conteúdos específicos em cada área, mas os processos e contextos em que esses conhecimentos são aplicados. O que se esperava dos estudantes era que retivessem informações específicas, bem como fossem capazes de interpretar, refletir e avaliar os textos. Deveriam mostrar proficiência na compreensão, fazer inferências, utilizar informações, bem como criticar e construir hipóteses a respeito do texto.

Segundo Solé (1998), para que um indivíduo se torne um leitor autônomo e competente é preciso que receba auxílio e suporte de um leitor mais capaz, isto é, de um mediador cultural. A autora enfatiza a necessidade de o professor ser leitor, apresentar a leitura de forma significativa, se envolver nesse trabalho de forma interativa, pois, além de oferecer diversos tipos de texto aos alunos em sala de aula, é preciso ensinar a ler para que o aluno saiba o porquê da leitura, extraia significados da mesma e a compreenda.

A partir dos dados apresentados acima procuramos, no início de 2008, desenvolver nas 5ª séries A, B, C e D do Ensino Fundamental no Instituto de Educação Estadual Prof. César Prieto Martinez no Município de Ponta Grossa, Paraná, nas aulas de Língua Portuguesa, um trabalho de leitura centrado na proposta de Isabel Solé (1998). Nossa intenção foi estabelecer uma relação entre o proposto teoricamente pela autora e a aplicação prática das estratégias de compreensão de leitura em sala de aula. As atividades começaram a ser desenvolvidas, no início do 1º semestre de 2008 e pretendemos estendê-las até o final do 2º semestre. Neste artigo apresentamos apenas uma das atividades propostas.

Não temos a pretensão de com esta experiência ensinar como se trabalha a leitura em sala de aula, mas socializar uma experiência sobre a possibilidade de se aplicar estratégias de compreensão de leitura para contribuir com a formação de leitores competentes.

DETALHAMENTO DAS ATIVIDADES E DISCUSSÃO DOS RELATOS

O objetivo da atividade residia em, a partir da proposta de Solé (1998) sobre a aplicação de estratégias de leitura, ajudar o aluno na compreensão do propósito do texto motivando-o para a leitura. Para tanto, escolheu-se a crônica “A pé em Peabiru” de Miguel Sanches Neto, publicada no jornal Gazeta do Povo em 22 de julho de 2008. No texto, o autor, em uma de suas raras viagens a Peabiru, começa a lembrar-se de momentos vividos por ele na sua infância e adolescência naquele lugar. A crônica nos pareceu uma ótima oportunidade para trabalhar com o resgate da infância dos alunos. Nossa intenção com essa leitura era fazer com que eles trouxessem à tona as lembranças dos amigos, das brincadeiras, da cidade, das ruas, do parquinho, do campinho de futebol, enfim de tudo e de todos os momentos que pudessem se lembrar daquela época.

A aplicação das estratégias

Para Solé (1998), ao se desenvolver atividades de leitura com os alunos, é preciso que o professor tenha em mente que a leitura precisa ser desenvolvida em três momentos fundamentais: o antes, o durante e o depois da leitura. Isso, se o que se pretende é formar leitores capazes de desvelar e compreender um texto.

O primeiro momento da aplicação das estratégias de leitura na perspectiva de Solé (1998) é o antes da leitura, momento em que o professor deve levar os alunos a sentirem vontade, curiosidade em ler o texto proposto. Esse passo é, considerado por nós, o mais importante no processo, pois é nele que o professor irá despertar o interesse dos alunos pela leitura do texto, é o chamado momento da expectativa. Solé (1998) afirma que nesse momento o professor pode motivar as crianças, oferecer-lhes finalidades, objetivos para leitura, ativar seus conhecimentos prévios, incentivar suas previsões e perguntas. A finalidade principal desse momento é ativar os conhecimentos que os alunos já possuem sobre o assunto a partir dos quais os alunos atribuem significados aos novos conhecimentos. Nesse caso, ativar os conhecimentos que os alunos já têm sobre o conteúdo, o gênero, o autor, as marcas próprias do texto, são estratégias fundamentais no processo de ensino de leitura.

Começamos a atividade de leitura colocando no quadro negro o título da crônica “A pé em Peabiru” e a partir daí iniciamos os questionamentos que incitaram os alunos a fazerem inferências sobre o título do texto, fazerem suas previsões, levantando possibilidades a respeito do assunto que iria ser apresentado no texto. Contribuíram para puxar os fios dos emaranhados, dos significados das palavras que formavam o título do texto, questões como:

a) Qual é o significado que a palavra Peabiru sugere?
b) Alguém conhece Peabiru?
c) Alguém já foi a Peabiru?
d) Onde está localizada?
e) Como podemos descrevê-la?
f) Quem pode explicar o significado da expressão “a pé em Peabiru”?
g) Por que a pé e não de outra forma? Como por exemplo: de taxi, de ônibus, de carro, de avião de bicicleta, de moto etc.

Após esses questionamentos contextualizamos assistimos com os alunos na TV penn drive, em sala de aula, o episódio “causos e acasos” transmitido pela RPC em 2007 que conta a origem e a história da cidade de Peabiru, uma cidade no interior do Paraná com aproximadamente 12.989 mil habitantes. O episódio permitiu-nos fazer um levantamento sobre a economia, a cultura, os pontos turísticos e o índice populacional da cidade. O tempo utilizado para esse momento foi de 15 minutos. Os alunos ficaram surpresos com a riqueza de informações sobre a origem e formação do povo Peabiruense, um povo que teve sua origem nas lavouras de café e de cereais. Uma cidade ligada à história do famoso Caminho do Peabiru que (na língua tupi, "pe" – caminho – "abiru" – gramado amassado), uma via que ligava o Paraguai ao Oceano Atlântico. Um dado que chamou à atenção dos alunos foi quando souberam que nos seus trechos mais difíceis, o caminho do Peabiru era pavimentado com pedras, em outros era sinalizado por inscrições rupestres, mapas e símbolos astronômicos de origem indígena.

Com essa atividade de leitura os alunos conheceram um pouco mais da história da formação das cidades Paranaenses e puderam enriquecer a aula comentando sobre a origem da cidade em que nasceram. Foi muito interessante, pois descobrimos que muitos dos alunos não nasceram em Ponta Grossa, uns nasceram em cidadezinhas da redondeza e outros em Estados diferentes. Os alunos não só contavam onde nasceram como também contavam sobre seus pais ou familiares.

Na aula seguinte, dando continuidade ao processo de leitura do texto, agora já de posse aos conhecimentos em torno da origem de Peabiru, tomamos o comentário do próprio autor: “O que sempre me pergunto é por que a cidade da infância é o território mais marcante da nossa vida? Talvez por ser a cidade da primeira vez. Do primeiro beijo, da primeira bebedeira, da primeira decepção amorosa”, procuramos levar os alunos ao estabelecimento de previsões e questionamentos sobre o assunto que seria abordado no texto. Nesse momento, a participação dos alunos foi surpreendente, pois levantavam hipóteses, arriscavam-se a fazer previsões. Todos queriam palpitar. A fala do autor levou os alunos a tecerem considerações sobre outros fatos da vida que nos fazem ter um sentimento saudosista, como por exemplo, a comida feita pela mãe que é lembrada pelo filho mesmo depois de adulto com sendo a melhor comida do mundo. Esse foi um momento muito interessante, pois todos tinham alguma coisa a declarar, uns comentaram sobre os “micos” da infância, os aniversários, as sacanagens, as peraltices, as brigas na escola e na rua. Foi um momento de muita nostalgia e de grandes revelações. Podemos dizer que foi o momento das descobertas e das reflexões, pois muitos dos alunos se deparam com uma nova realidade “agora não eram mais crianças”.

O próximo passo da atividade foi distribuir um exemplar do texto para cada aluno. Solicitamos que eles se posicionassem dizendo se achavam importante ler o texto. Nesse momento fomos surpreendidas com as respostas dos alunos, pois a maioria disse que queria conhecer o texto para saber o que o autor tinha a dizer.

Após esse interesse, fizemos uma recapitulação de tudo que haviam aprendido na aula anterior, por meio de levantamento de hipóteses, previsões. Chegou o momento das verificações, pois sabíamos que era importante levá-los a verificar se as inferências que fizeram sobre o texto correspondiam ao significado que o autor quis dar a ele.

O segundo momento do processo da compreensão de leitura considerado, por Solé, como fundamental é o durante a leitura. Primeiramente pedimos que cada um lesse silenciosamente o texto. Logo após a leitura silenciosa, solicitamos a um aluno que fizesse a leitura do texto em voz alta e, explicamos que os demais deveriam seguir a leitura do colega com os olhos. E, quando o leitor se cansasse poderia solicitar a outro colega que continuasse a leitura e assim sucessivamente até o final do texto. Orientamos aos alunos que fossem interrompendo a leitura sempre que não soubessem o significado das palavras e quando não entendiam alguma coisa ou ainda algum fato que mais lhes chamou à atenção.

Nessa etapa, pensamos que ao fazerem relações daquilo que estavam lendo com os conhecimentos prévios, bem como as previsões que poderiam fazer sobre o assunto seriam imprescindíveis para ajudá-los a caminharem pelos quadrantes do texto. Porém, esse adentramento no texto só foi possível por meio de alguns questionamentos sobre dados que estavam implícitos, tais como:

a) Por que o autor leva cadernos e canetas?
b) A que deserto ele está se referindo?
c) Por que suas tarefas nunca terminam? Que tarefas são estas?
d) A expressão: “O menino está fugindo de casa?” Por que menino? Quem era esse menino?
f) Por que o autor usa a expressão: “O filho aprendeu o que o pai nunca conseguiu”?
h) O autor finaliza o texto referindo-se a “uma forma paródica de se manter fiel ao passado”. Como você entende essa expressão?

Essa situação de leitura compartilhada não se trata apenas de ler de maneira silenciosa ou em voz alta, mas de o leitor se envolver com o texto que está lendo a fim de descobrir as idéias principais e o sentido geral do texto. A leitura compartilhada propiciou aos alunos que recapitulassem o que foi lido para saberem o que o autor quis expressar.

O terceiro momento de uma aula de leitura é o chamado por Solé (1998) de depois da leitura. Segundo a autora esse é um momento para discutir o enredo e a linguagem do texto. Discutir o efeito de algumas palavras usadas, efeitos lingüísticos e semânticos a partir das escolhas do autor, lexicais e gramaticais. Refletir a respeito do papel dessas escolhas no desenvolvimento do tema e das características do gênero textual. Prosseguindo a atividade, foi convidado um aluno para resumir o texto com o objetivo de encontrar a idéia principal, os detalhes e recapitular alguns dados importantes no texto. Após o processo de recapitulação, de resumo, começamos a fazer indagações sobre o texto, tais como:

1. Agora, como vocês justificam o título: A pé em Peabiru?
2. Como se classifica esse gênero textual?
3. Por que e para quem o autor escreveu este texto?
4. Em que situação o texto foi escrito?
5. Onde foi publicado?
6. Quem é o autor: Miguel Sanches Neto?
7. Alguém conhece outra obra dele?
8. Nas frases “O que eram chácaras onde jogávamos bola agora está coalhado de casas populares, bem em frente ao cemitério” (8º parágrafo) e “O rio é uma valeta de água verde” (13º parágrafo) qual o sentido que podemos atribuir a essas metáforas utilizadas pelo autor?

Esse é o momento para discutir o enredo e a linguagem do texto. Pedimos aos alunos que relessem algumas passagens do texto e discutimos com eles os efeitos lingüísticos e semânticos a partir das escolhas do autor, tanto lexicais quanto gramaticais.

Nesse momento, solicitamos que buscassem nas suas memórias outros textos semelhantes a esse. Os alunos não conseguiram lembrar-se de nenhum texto, então apresentamos como exemplo os textos: “A casa materna” de Vinícius de Morais, “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu. Os textos foram lidos pelos alunos em voz alta e aí sim, conseguiram fazer a relação entre os textos.

E, para encerrar a atividade propusemos uma produção escrita em forma de memorial. Cada aluno fez o seu texto contando como foi a sua infância. O que mais nos impressionou foi que a presença dos avós e tios foi muito marcante nos relatos. As histórias traziam lembranças das brincadeiras na rua, da escola, da professora. A figura da mãe e a do pai apareceu muito pouco nos relatos e, quando, apareceu percebemos que havia um distanciamento entre as ações dos pais e a deles, como filhos.

CONSIDERAÇÕES

Conforme Solé (1998), o texto deve ser desvelado pelo leitor. E, para isso, ela propõe que o professor ao trabalhar com um texto se utilize de estratégias de leitura em três momentos distintos: antes, durante e depois da leitura.

Com esta proposta de atividade aprendemos que o uso de estratégias, além de auxiliar na compreensão do texto pelos alunos, pode ainda motivar as crianças, oferecer-lhes finalidades, objetivos para leitura, ativar seus conhecimentos prévios, incentivá-los a fazerem previsões e perguntas. O uso das estratégias leva à progressiva interiorização e utilização autônoma pelas crianças. Nesse caso, compreender os propósitos da leitura, o que ler e para que, podem determinar a forma como o leitor se situa na leitura e na compreensão do texto.

As estratégias de leitura permitiram aos alunos ativar os seus conhecimentos prévios sobre o assunto e, dessa maneira, assumir um papel ativo na leitura, fazendo previsões, formulando questões e recapitulando informações a respeito do texto e, assim, ir construindo a interpretação do texto no decorrer da leitura.

Esperávamos que ao fazer uso das estratégias de leitura o aluno conseguisse resumir o que leu, destacando as idéias principais e fosse capaz de responder perguntas sobre o que foi lido.

Pretendemos com esse trabalho contribuir para formar leitores competentes que compreendam o que lêem, aprendam a ler também o que não está escrito, que saibam identificar os elementos implícitos e que possam estabelecer relações entre o texto que leram a outros já lidos e atribuam significado ao texto.

REFERÊNCIAS

SOLÉ,
I. Estratégias de Leitura. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
SANCHES NETO,
M. A pé em Peabiru. Curitiba: Gazeta do Povo, Caderno G, 22/07/2008.

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