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o trabalho dos professores em sala de aula para a formação do leitor, acaba por focalizar apenas o leitor que decodifica as palavras.

VAMOS LER?
FORMAR LEITORES NO ESPAÇO ESCOLAR: UM IMPASSE NA CONTEMPORANEIDADE
 Flávia Cristina Oliveira Murbach de Barros (*)
Luiz Antonio Xavier Dias
(*)
RESUMO: Este artigo propõe uma análise sobre as práticas pedagógicas voltadas para a formação do leitor desde a infância, decorrendo assim até o leitor adulto, fazendo uma discussão sobre a própria construção do sistema de ensino atual que desde a educação infantil se prende apenas a decodificação das letras, esquecendo de que tanto a leitura como a formação do leitor não se dá por esse processo, e sim por um conjunto de relações vividas.
Palavras-chaves: desenvolvimento humano; experiências histórico-culturais; estratégias de leitura; formação do leitor.
ABSTRACT: This paper proposes an analysis about the pedagogic practices aimed at the reader's formation from childhood to adulthood, making a discussion about the construction of the present teaching system that from infantile schooling is based on the decoding of the letters, forgetting that reading as well as the reader's formation  cannot be carried out that way, but based on relationships lived by a person.
Key words: human development; historical-cultural experiences; reading strategies; the reader's formation

Sabemos que o mundo contemporâneo carrega consigo marcas históricas sobre a concepção de homem natural. Mesmo com o avanço em estudos direcionados nesse sentido, a educação escolar e suas práticas pedagógicas ainda são impulsionadas por uma visão biológica do ser humano. Os moldes capitalistas de produção, a divisão social do trabalho também influenciam o processo da concepção e organização da educação, assim como também a consciência dos indivíduos.

Assim, destacamos a divisão de disciplinas, a organização seriada entre outras questões, como as próprias práticas pedagógicas, que acabam sendo estruturadas pelo sistema imposto. Nessa perspectiva, o trabalho dos professores em sala de aula para a formação do leitor, acaba por focalizar apenas o leitor que decodifica as palavras. Com a atual tendência facetada pelos ideários do capitalismo dominante, a antecipação da escolarização presente na educação infantil que deveria ser um espaço para proporcionar experiências e assim contribuir com outras formas de ler o mundo, passa a ser um espaço mecânico, de treino de decodificação.

As brincadeiras, o teatro, as formas de expressões, os jogos, o contato com diversos objetos e espaços da cultura, a roda de leitura, o contato com os livros infantis, a música e a dança, o contato com outras crianças, são atividades significativas para o processo de formação leitora, pois a leitura vai muito além das letras, da decodificação, é um processo de reflexão. As atividades diversas, significativas ao serem trabalhadas com as crianças, são fundamentais para o próprio adentrar do mundo das letras, que precisa ser levado às crianças de maneira que se conceba e elas compreendam a sua função social de comunicação e não apenas como um processo de decodificação, algo solto e sem sentido. Ao refletirmos a partir de algumas considerações de Jean Foucambert (1994, p. 8), “a leitura é a atribuição de um significado do texto escrito: 20% de informações visuais provenientes do texto; 80% de informações que provém do leitor”.

Esta concepção do ato de ler como decodificação de letras, iniciada desde as práticas pedagógicas com as crianças menores, contribuem significativamente para a formação do leitor adulto que não consegue refletir sobre a própria leitura dos textos e a leitura da própria realidade em que vive. Pesquisas mostram que a preocupação com o leitor proficiente é que o Brasil se encontra numa situação bastante vexatória, tal fato é comprovado pelo Instituto Paulo Montenegro (2007), órgão não governamental que investiga o índice de analfabetismo funcional dos brasileiros – através do INAF - Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional atualmente, 68% das pessoas são analfabetas funcionais, ou seja, têm dificuldade de interpretar textos e não têm muita habilidade na escrita. Há 7% de analfabetos absolutos, 30% estão no nível rudimentar (sabem ler, mas não conseguem entender, não conseguem se expressar), 38% estão no nível básico dois (conseguem ler, entender e se expressar mais do que o nível rudimentar, mas de maneira insuficiente), e 26% estão no nível três, que são aqueles que dominam a leitura e a escrita.

Tal fato é preocupante, principalmente porque hoje, segundo Fregonezi (2003, p.4) “estamos na era do leitor. Os estudos colocam o leitor como o principal elemento a ser abordado na explicitação do ato de ler”. A leitura bem feita, quando é, sobretudo entendida constitui a base na construção final de um texto. Por isso a preocupação com o que está implícito na mensagem do enunciador é tão importante.

Como citamos anteriormente, outro fato que contribui para uma boa interpretação é o conhecimento de mundo tanto de quem escreve quanto de quem lê, mas com grande atenção para quem lê assim, de acordo com Fregonezi (2003, p. 36) “os textos são sempre incompletos em si mesmos, e – para se tornarem ocorrências comunicativas – dependem de contribuição de informações disponíveis na mente do próprio leitor”. E ainda na linha de pensamento de Fregonezi “o leitor é, não apenas um decodificador, mas um construtor do significado do texto”. Daí a necessidade de não ir para a leitura e construção “desarmado” de conhecimento. Esses conhecimentos se resumem em três níveis, o lingüístico, o de mundo e o textual.

Além desses, temos Smith (1999, p. 9) que também expõe sua posição sobre a definição de leitura, e como esse processo de semiose acontece. Em sua obra ele expõe de forma clara que a leitura é um ato complexo que envolve não apenas os olhos, mas um grande número de mecanismos, que se bem estimulados, conseguem fazer abstrações, interpretações e por sua vez, fazem com que o leitor, iniciando pelas crianças, leia de forma significativa e com sentido.

Então, percebemos que a leitura não é simplesmente o ato de se colocar os olhos sobre o papel ou sobre a janela, a leitura é a maneira mais especial que o ser humano tem para entrar em contato com o mundo exterior, aumentar seus conhecimentos prévios, abstraindo o máximo de significados em todos os momentos.

                     

Para a distribuição de significados ao que se lê, é imprescindível a existência de algum conhecimento anterior, informações sobre o conteúdo que será lido, pois se não estiver inserido nos horizontes de expectativas do leitor, não fará sentido algum para ele e a leitura não será prazerosa. O conhecimento de mundo, pois, são informações não-visuais que o leitor armazena a partir de associações que faz das informações e sensações com que tem contato desde o nascimento, originadas pelas informações vividas. Esse conhecimento é fundamental e sustenta as novas informações que são trazidas pelos diferentes textos e acrescentadas a ele.

Este artigo teve a intenção de levantar algumas considerações a cerca da construção do leitor crítico, lembrando que esse é um processo que se inicia muito além das letras. A concepção de leitura aqui instaurada se baseia numa perspectiva em que ler é muito mais do que decodificar palavras, ler é saber interpretar o mundo que o cerca de maneira crítica e autônoma, sendo esse um processo fundamental para a emancipação social e política do homem em sociedade.

Portanto, ler é aumentar o horizonte de expectativas, e, além disso, é a melhor maneira de enxergar aquilo que estava obscuro. Para tanto, propomos um trabalho em que o aluno seja ativo nesse processo de ensino e aprendizagem, de forma que suas experiências sociais sejam consideradas relevantes para o processo da sua formação como leitor, pois o ato de ler vai além das paredes da escola, vai além das letras.

Referências

ANALFABETISMO FUNCIONAL.
Só um quarto da população domina a interpretação Disponível em: <
http://www.universia.com.br/noticia/materia_clipping.jsp?not=25347 > acesso em: 10 – 10 – 2007.

FARIA, Ana Lúcia Goulart de; MELLO, Suely Amaral de. (orgs.). Linguagens infantis: Outras formas de leitura. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

FOUCAMBERT, Jean. A Leitura em Questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

FREGONEZZI, Durvali Emílio. O professor, a escola e a leitura. Londrina: Humanidades, 2003.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados, Cortês, 1982.

MARKUS, G. Marxismo y antropologia. Barcelona: Grijalbo, 1974.

MARX, Karl. O capital. Crítica da economia política. Livro primeiro. Civilização brasileira,s/d.

SMITH, Frank. Leitura Significativa. Tradução Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artmed, 1999.

VIGOTSKY, Lev Semyonovich; LÚRIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alex N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone/EDUSP,1988.

______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

(*) Flávia Cristina Oliveira Murbach de Barros - Graduada em Pedagogia pela UNESP/MARÍLIA, Mestranda em Psicologia pela UNESP/ASSIS, membro do Grupo de Pesquisa CONE/CNPQ, e-mail: flaviacro@ig.com.br

(*) Luiz Antonio Xavier Dias - Graduado em Letras pela UENP – Universidade Estadual do Paraná campus FAFIJA, Especialista em Estudos Lingüísticos e Literários pela mesma instituição, pesquisador do Grupo de Pesquisa Leitura e Ensino/CNPQ também da mesma instituição, além de Professor de língua portuguesa e língua latina do Departamento de Letras da mesma instituição, e-mail: axdias@fafija.br.

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