Ensaio

voltar menu revista 13

 

O resultado é um filme vibrante, com diversas alternativas e, ao contrário do que se poderia supor, com um desfecho igualmente contagiante. Tudo bem amarrado para contar uma história de amor e superação.

 ESCRITO NAS ESTRELAS - QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?
João Nunes
(*)

Quem Quer ser um Milionário? (Slumdog Millionaire, Inglaterra/EUA, 2008), do inglês Danny Boyle, é o filme mais festejado de 2009, depois de ganhar 8 estatuetas do Oscar (inclusive de melhor filme e direção) e quase todos os prêmios que o precedem (Globo de Ouro, Sindicato dos Atores, Produtores e Diretores, entre outros). É também um filme popular, pois não exige muita reflexão nem gasta neurônios em excesso para curti-lo - apesar de o pano de fundo ser a miséria indiana, motivo mais que justo para possível reflexão.

Ocorre que Danny Boyle não está interessado na miséria - como estava, só para ficar na comparação mais evidente, Fernando Meirelles quando dirigiu Cidade de Deus (2002). O foco do diretor britânico é o espetáculo - se bem que Meirelles foi acusado de usar a cosmética da fome por causa de seu filme. Mas interessa a Boyle mostrar uma história de superação e, não foi acaso os prêmios ganhos dos Estados Unidos, pois os norte-americanos adoram esse tipo de história. Em dado momento, quase no final, Salim (Madhur Mittal), irmão do protagonista Jamal (Dev Patel) diz o seguinte: "Esse cara não desiste". E ele, Salim, desiste de sua empreitada. Esta cena define Quem Quer Ser um Milionário?

Para entender melhor do que está se falando, o longa conta a história de Jamal, favelado de Mumbai (Índia) que consegue se candidatar a um desses programas de perguntas e respostas (daí o título) e ganha 10 milhões de rúpias, o dinheiro indiano. Desconfiado, o apresentador do programa (o ator indiano Anil Kapoor, astro em Bollywood) arma uma cilada ao garoto e, ao sair da TV, este é preso acusado de fraude. Aliás, o filme começa justamente estabelecendo esta questão: ele teve sorte, é gênio, trapaceiro ou estava escrito nas estrelas, ou seja, seu destino era ganhar?

Este é outro mote importante para entender o filme. Boyle (sob roteiro de Simon Beaufoy, que adaptou um romance popular indiano), como se disse, não está interessado na miséria que mostra ao longo de todo o filme, mas na fantasia que permeia a vida dessas pessoas - isso quando elas (os favelados) não estão metidas em encrencas, violência, drogas, etc. Aliás, Slumdog Millionaire, literalmente, pode ser traduzido como milionário cachorro de favela.

A fantasia, portanto,  torna-se a tônica do filme. A começar do fato de um sujeito praticamente iletrado ganhar o prêmio máximo nesse tipo de programa. E aí o roteiro se torna esquemático, o que poderia dar errado - não deu. As respostas de Jamal estão intimamente ligadas à vida miserável na favela. Nada mais inverossímil. E faz sentido cobrar verossimilhança porque estamos falando de realidade. Ou não? Não, na verdade, Boyle só está interessado na fantasia - a realidade entra apenas como suporte para se narrar a história (diferentemente de Cidade de Deus). Sorte dele que o roteiro, de fato, é engenhoso, tanto que funciona.

Além disso, a direção (aliás, ótima) se reforça com a bela fotografia de Anthony Dod Mantle para retratar os tradicionais três tempos do filme (quando o trio, os dois garotos e a menina Latika, interpretada por Freida Pinto, são meninos, adolescente e jovens), e de uma trilha contagiante e contemporânea.

O resultado é um filme vibrante, com diversas alternativas e, ao contrário do que se poderia supor, com um desfecho igualmente contagiante. Tudo bem amarrado para contar uma história de amor e superação. Nem o lado maniqueísta é deixado para trás, pois como sempre acontece nesse tipo de narrativa os bons são maravilhosos e merecedores de prêmios, ao contrário dos vilões que parecem saídos do inferno de tão maus e devem ser castigados.

Inspirado nas produções de Bollywood (a fértil indústria indiana de cinema), Quem Quer Ser um Milionário? pode ser resumido como filme bacana, pois as pessoas saem leves do cinema, cantando, dançando - a propósito, há um clipe com dança indiana recheada de contemporaneidade ao final. Nesse sentido, não fosse o verniz da miséria indiana (tão próxima da brasileira) serviria apenas como entretenimento, o que não é necessariamente ruim. No entanto, o filme pode até ser o mais festejado e premiado de 2009, mas nem de longe será o melhor.

LEIA A OBRA QUE SERVIU DE BASE PARA O ROTEIRO DO FILME

SWARUP, Vikas. Sua Resposta Vale um Bilhão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 343 páginas.

             (*) João Nunes é jornalista e crítico de arte - Jornal Correio Popular, Campinas, SP.

Leia mais ensaios sobre leitura

Copyright ©2009, by ALB/Campinas, SP, Brasil

 

Indique a um amigo:
Remetente:
Email Remetente:
Destinatário:
Email Destinatário: