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Somos educados pelas imagens desde o momento
em que nascemos e passamos a ter contato com
elas, contato este que é involuntário,
direto e adquirido.. |
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LER
A IMAGEM PARA APRE(E)NDER MELHOR O MUNDO
-
Gabriela Fiorin
Rigotti *

A imagem educa. É
partindo dessa premissa que podemos aprender e
apreender o mundo, de forma a compreendê-lo e
significá-lo no âmbito da educação visual.
Somos educados pelas imagens desde o momento em
que nascemos e passamos a ter contato com elas,
contato este que é involuntário, direto e
adquirido.
Digo involuntário porque as imagens nos cercam,
nos cerceiam. Estar com elas, na companhia
delas, não é sempre escolha nossa, mas
coleguismo muitas vezes imposto a nós
cotidianamente quando em lugares civilizados.
Imagens estão por toda parte: se podemos
escolher o canal de televisão que nos fará
companhia no fim de noite e a sessão de cinema e
pipoca do fim de semana, não nos cabe definir o
grafite que nos espreita pelas calçadas, a
fotografia que nos olha ao abrirmos o jornal
pela manhã ou o outdoor que nos acompanha a
caminho do trabalho.

Também digo direto porque o contato do olho
humano com a imagem não necessita de
intermédios; a imagem está lá e é vista,
enxergada, olhada. Apesar de todos os recursos
de que necessita para chegar a nós – sejam
câmeras, lentes ou filtros – e apesar de carecer
de mãos e vontades humanas para nascer, a
imagem, quando pronta, passa a ser um objeto em
si, independente. Temos, sem dúvida, a
possibilidade de mudar o canal pelo controle
remoto ou escolher a sessão pela sinopse da
crítica de cinema; mas, ainda que não sejam
vistas por nós, as imagens estarão lá e serão
percebidas por nossos familiares sociais.
Além disso, digo que o contato com as imagens é
adquirido porque ler imagens é um ato tão comum
que pode ser visto a priori como natural. Todos
entendemos que um close não é capaz de decapitar
um ser humano e que aquele rosto possui um corpo
ligado a ele, mesmo que este corpo não possa ver
visto. No entanto, não foi assim que a imagem
filmada de um trem em movimento foi entendida
pelos primeiros espectadores de cinema: é
conhecida a passagem em que os irmãos Lumière
causaram assombro no público que assistia a
projeção da chegada do trem que, no imaginário
coletivo, poderia sair da parede de projeção e
adentrar em alta velocidade o local de exibição
.

Não é biologicamente natural ao olho humano ver
e entender a mensagem imagética. Ao contrário, a
parte recortada do mundo real que, escolhida por
quem a produz, passa a representá-lo através de
imagem é apenas uma parte deste mundo real. A
imagem, pois, não é sinônimo da realidade, e sim
sua metonímia e, para que nós, “olhantes”,
possamos compreender a parte tomada deste todo
como um todo em si precisamos aprender a olhar.
Aprendendo, então, a olhar e entender a imagem,
e tendo com ela uma relação tão próxima e
frontal, passamos a olhar e entender o mundo em
que vivemos de outra forma, de uma forma que
condiz com as verdades da imagem.
Estamos imbuídos pelas imagens porque elas nos
sensibilizam, nos agradam ou nos repulsam, nos
agraciam ou nos machucam, de acordo com que
esperamos delas, e elas de nós. Fazem parte da
educação estética, que nos ensina não só a viver
no mundo, mas também a sentir o mundo – mundo
este racional e inteligível, mas também sensível
e emotivo.
As imagens nos tornam mais humanos, aguçam
nossos sentidos. Somos capazes de rir com o
pastelão de O Gordo e o Magro , de chorar com o
casamento do último capítulo da novela, de nos
penalizarmos com a seca nos rostos de Sebastião
Salgado , de nos horrorizarmos com as faces
distorcidamente pinceladas por El Bosco .
Estamos contaminados de e pelas imagens e,
assim, também pelas visões de homem, de mundo e
de sociedade que evocam. As imagens são
professoras, nos educam a ver o mundo de acordo
com suas verdades e ideologias intrínsecas.
Ler o mundo através das imagens é poder lê-lo
não só por nossos olhos, mas também pelos olhos
daqueles que as produzem. Cada escolha de
produção de uma imagem também é uma escolha
política, já que as formas de pintar, fotografar
e filmar condizem com os anseios e valores
daqueles que as fornecem.
É neste diálogo, nessa intersecção de leituras
de mundo entre os que “escrevem” e os que lêem
uma imagem que a educação visual se faz.
Educação esta tão informal que é quase
imperceptível; mas que, ao nos instruir, cria em
nós e nos faz difundir comportamentos, hábitos,
costumes e crenças.
Somos seres sociais e culturais e é por isso que
criamos e interpretamos imagens. Ler a imagem é
aprender através dela o que o mundo que criamos
e no qual somos criados quer de nós.
Mas o que queremos nós deste mundo?
Enquanto educadores educados pelas imagens,
queremos entender mais do que nos está dado,
ultrapassando a visão rasa, invadindo o senso
comum. Queremos não apenas olhar a imagem, mas
interpretá-la, lendo seu texto e suas
entrelinhas.
Não se trata de ver para além dela, pois tudo
que precisamos saber está ali, ao dispor dos
olhos. Mas o exercício da leitura e releitura é
condição primordial para induzir o pensamento à
real significação.
Se formar o cidadão crítico de seu meio
sócio-cultural é papel do professor, então
precisamos também nos (in)formar enquanto tal,
percebendo que não só de currículo formal se
preenche a educação. Educar é relacionar-se
dialeticamente com o mundo, habilitando, o outro
e a nós mesmos, para a vida social, cultural e
sensível que ocupa nosso dia-a-dia.
Prestando atenção às imagens que nos rodeiam,
poderemos não apenas aprender sobre nosso mundo,
mas também apreendê-lo, buscando abarcar seus
múltiplos sentidos em profundidade.
É justamente nesta busca que este texto se faz!

NOTAS
(1) Outdoor com sensor de movimento, ganhador de
prêmio internacional de publicidade e
propaganda. Disponível em:
www.onipresente.eti.br
(2) Segundo o dicionário Houaiss: tomada em que
a câmera, quer distante ou próxima do assunto,
focaliza apenas uma parte dele (p.ex., enquadra
apenas o rosto de um personagem, ou somente
parte de um objeto, etc.); close-up, close shot,
primeiro plano, grande plano.
(3) Chegada do trem à Cidade (L'arrivée à la
Ciotat, 1895): Primeira projeção
cinematográfica, exibida ao público em
28/12/1895. Disponível em:
www.fafich.ufmg.br
(4) Idem.
(5) Nome pelo qual ficou conhecida a dupla de
humoristas Stan Laurel e Oliver Hardy, atuantes
em comédias de curta e longa metragem realizadas
nas décadas de 20 e 30.
(6) Fotógrafo brasileiro radicado na França,
reconhecido mundialmente como um dos mestres da
fotografia documental contemporânea. Autor de
fotorreportagens de denúncia social publicadas
em livros como Sahel: l'Homme en Détresse
(1986), Trabalhadores (1993) e Terra (1997).
(7) Nome pelo qual é conhecido o pintor Jeroen
van Aeken (pseudônimo Hieronymus Bosch. Holanda,
1450-1516). Muitos dos seus trabalhos retratam
cenas de pecado e tentação, recorrendo à
utilização de figuras simbólicas caricaturais e
obscuras.
(8) Imagem de Ilusão de Ótica em que se pode
perceber uma moça e senhora, ambas de perfil, ao
mesmo tempo. Disponível em:
http://ilusaodeotica.com/
PARA SABER MAIS
Para uma maior compreensão do mundo das imagens
e de seu impacto na contemporaneidade,
recomendaria o livro Imagens e sons - A nova
cultura oral, de Milton José de Almeida (São
Paulo: Edit. Cortez, 2004).
Tratando-se do conceito de Educação Visual,
recomendaria como leitura inicial o texto A
Educação pelo Cinema, de Carlos Eduardo
Albuquerque Miranda, Gabriela Fiorin Rigotti e
Gabriela Domingues Coppola. (Disponível em:
www.artigocientifico.com.br ).
Um conhecimento maior e mais abrangente da
educação pelas imagens poderia advir do livro
Imagens e Educação: estudos, coletânea
organizada também por Carlos E. A. Miranda e
Gabriela F. Rigotti (São Paulo: Edit. Fiúza,
2006).
Para aqueles que se sensibilizam com a arte
pictórica, aconselharia uma visita ao site
http://pintura.aut.org ,
a maior pinacoteca do mundo virtual.
Referência em fotografia, o site
http://www.photografos.com.br
seria uma incursão bastante frutífera aos
interessados.
Aos amantes do cinema, indicaria o site
www.adorocinema.com, no qual se pode encontrar
uma lista extensa de filmes acompanhados de
fichas técnicas e sinopses.
___________________________________________
*
Gabriela Fiorin Rigotti
é pedagoga e mestre em Educação, ambos pela
FE/UNICAMP. Trabalha com formação de professores
(FIMI/Mogi Guaçu-SP) e em projetos de formação
continuada (“Teia do Saber”, “Projeto Gestores”,
“Proesf”), atuando sobretudo nas temáticas de
didática e metodologia de ensino. Foi
pesquisadora do Laboratório de Estudos
Audiovisuais-OLHO (FE/UNICAMP), estuda a
educação, o conhecimento, a linguagem e a arte,
com ênfase nos estudos sobre a educação visual
através do cinema. Atualmente é doutoranda na
FE/UNICAMP junto ao Grupo de Pesquisa ALLE -
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