Cultura
escrita em contextos indígenas
Josélia Gomes Neves*
Desenho étnico. Fonte:
Zacarias Kapiar Gavião. Rondônia.
Nosso principal
objetivo neste estudo foi investigar e documentar
o processo de aquisição e apropriação da
cultura escrita na Terra Indígena Igarapé
Lourdes junto às etnias Arara-Karo e
Gavião-Ikolen e sua relação com a oralidade
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1999; FREIRE, 1987,
CHARTIER, 1990; CERTEAU, 1998; ONG, 1998). Foi
possível sistematizar a história de
alfabetização e escolarização dessas
sociedades indígenas, bem como compreender o
modo de apropriação do objeto escrito.
Esta pesquisa foi desenvolvida a partir da
concepção de estudo do tipo etnográfico
(ANDRÉ, 1995), de 2004 a 2009, na T. I. Igarapé
Lourdes, no município de Ji-Paraná, estado de
Rondônia. Envolveu oito aldeias e oito escolas
públicas de educação escolar indígena, sendo
duas pertencentes ao povo Arara-Karo e seis ao
povo Gavião-Ikolen. Os colaboradores e
colaboradoras Gavião-Ikolen foram quatro
lideranças, uma do sexo feminino e três do sexo
masculino e doze professores indígenas
todos do sexo masculino. Da etnia Arara-Karo
participaram duas lideranças todas do
sexo masculino e sete docentes, sendo três
professoras e quatro professores. Os docentes
são contratados pela Secretaria de Estado da
Educação SEDUC, a maioria habilitados
pelo Projeto Açaí curso de magistério
indígena e atuam com exclusividade nos anos
iniciais do ensino fundamental.
A coleta de dados ocorreu por meio dos seguintes
instrumentos: observação participante nas
aldeias e nas escolas, entrevistas a docentes e
lideranças indígenas, bem como análise
documental cadernos de planejamento e
relatório docentes, cadernos e atividades
avulsas de alunos e alunas.
A análise desenvolvida possibilitou compreender
que os povos indígenas da T. I. Igarapé
Lourdes, os Arara-Karo e Gavião-Ikolen
desenvolvem cotidianamente ações de leitura e
escrita. Buscam ler textos como os de gêneros
jornalísticos jornais, revistas, com
vistas a localizar informações que avaliam
serem pertinentes para si ou para o grupo.
As práticas de leitura e escrita estão
relacionadas a distintos contextos: ler/escrever
coisas da escola, ler/escrever coisas da igreja,
ler/escrever sobre a cultura do povo,
ler/escrever sobre os não-indígenas,
ler/escrever sobre questões pessoais e
subjetivas, etc., assim, articulam-se às ações
regulares vivenciadas no cotidiano da aldeia. A
recente tradição de escrita na T. I. Igarapé
Lourdes está acontecendo mediante modelos
próprios de expressões, escolhidos de acordo
com as necessidades individuais e coletivas, com
o estabelecimento de diálogo entre cultura oral
e cultura escrita.
O estudo possibilitou compreender a escrita não
como um mecanismo neutro, mas sim como
elaboração política e cultural, com
possibilidades de empoderamento das sociedades
indígenas, na medida em que neste contexto
assume funções específicas. O que significa
pensar nas diferentes interações, em caráter
quase sistemático que ocorrem a partir das
práticas de leitura e escrita dos povos
indígenas Arara-Karo e Gavião-Ikolen dado a
influência do entorno urbanizado, a cidade de
Ji-Paraná, estado de Rondônia.
A pesquisa foi apresentada como tese de doutorado
e defendida na UNESP, Araraquara, em dezembro de
2009.
Palavras-chave: Povos Indígenas. Cultura
escrita. Oralidade. Educação.
Interculturalidade.
(*) Josélia
Gomes Neves. É professora da Fundação
Universidade Federal de Rondônia - UNIR no
Campus de Ji-Paraná e líder do Grupo de
Pesquisa em Educação na Amazônia - GPEA.
Leciona no Curso de Pedagogia. Estuda e pesquisa
Educação Escolar no âmbito da cultura escrita
em contextos indígenas, Didática Etnoambiental,
Alfabetização Intercultural e Relações
Sociais de Gênero/Currículo. É Doutora em
Educação Escolar pela UNESP, Campus de
Araraquara (2009). joshiva42@gmail.com