|
Conto

voltar
índice |
|
...as diferenças defendidas e expressas
pelas entidades são fundamentais
para o enfrentamento dos desafios da área da
leitura... |
-
A
BICICLETA DO VAMPIRO
-
Carlos Eduardo de
O. Klébis
– Professor, olhe o
texto que eu fiz!, disse Lucas levando o caderno
aberto ao professor que acabara de entrar a sala de
aula.
– Deixa ver: “A bicicleta do vampiro”; já gostei do
título! Empresta o caderno aqui para eu ler seu
texto.
– Não, professor, não precisa ler! O senhor não vai
entender nada; eu só quero que o senhor me dê um
“visto”.
– Mas como é que eu posso dar visto sem ler, Lucas?
– Dando, uai!, disse Lucas puxando o caderno das
mãos do professor.
– Deixa-me ler, Lucas. Fiquei curioso pelo título.
Eu quero ver que história é essa de “bicicleta do
vampiro”. Vamos lá; eu sei que você também quer que
eu leia.
– Ah, professor, mas eu sei que o senhor não vai
entender minha letra e o meu texto está cheio de
erros de português. Depois que eu consertar o senhor
lê.
– Tudo bem, Lucas, o texto é seu e eu tenho que
respeitar sua vontade, mas já adianto a você que eu
não acho sua letra assim tão feia e não ligo muito
para essa coisa de “erro de português”. O que me
interessa é a história.
– Como assim, professor? O senhor não é professor de
português? Então, como é que não liga quando a gente
escreve errado? Acha que eu sou bobo, é?
– Por que você diz isso, Lucas? Quer dizer que se eu
fosse professor de matemática ou de educação física
você me deixaria ler o texto?
– É lógico que não! Professor é tudo igual; todos
vivem reparando nas coisas erradas que a gente faz.
– Mas que “coisas erradas” são essas de que você
fala? O que há de errado com seu texto, afinal?
– Sei lá, professor. Deve ter um monte de erros.
Todos os meus outros professores sempre falaram que
eu escrevo tudo errado.
– Como assim, Lucas? Dê um exemplo. Mostre-me alguma
coisa em seu texto que você considera um erro.
– Eu não! Eu não sei onde é que está errado. O
senhor está é querendo me enrolar só para eu deixar
o senhor ler minha história...
– Então, quer dizer que você não sabe se tem mesmo
alguma coisa errada no seu texto...
– É lógico! Eu não sou professor de português! Quem
tem que saber onde é que eu errei é o senhor, não
eu!
– Está bem, Lucas. Deixa-me, então, “corrigir” seu
texto. Aí nós dois vamos saber o que é que você
errou e onde exatamente estão os seus erros. De
acordo?
– Aí o senhor me dá o visto?
– Dou sim.
– E escreve um bilhete para minha mãe, se o meu
texto estiver bom?
– Escrevo.
– E me dá um ponto positivo?
– Está bem.
– E o senhor promete que não vai ler para a classe?
– Prometo.
– Então... pode ler, vai!
Lucas entregou o caderno ao professor e foi se
sentar em sua carteira, observando atentamente os
olhos do mestre correndo como a bicicleta do vampiro
pelas palavras de sua história. Ficou assim,
assistindo à leitura do professor e rememorando cada
passagem daquilo que escreveu, como se estivesse
escrevendo a história outra vez. Quando o professor
mostrava um ar de compenetrado, Lucas se
compenetrava também; quando o professor sorria,
Lucas sorria com ele; quando o professor armava uma
expressão de espanto, Lucas arregalava os olhos e se
espantava junto com o professor, e assim foram até o
final da história.
Depois de ler, o professor meneou a cabeça
afirmativamente, sem dizer uma só palavra. Pegou a
caneta, escreveu um bilhete cheio de elogios para a
mãe do Lucas, abriu a caderneta, marcou nela um
ponto positivo e assinalou no texto um VISTO em
letras garrafais, tudo conforme prometera.
– E aí, professor; tudo errado né?, perguntou Lucas
dirigindo-se novamente à mesa do professor.
– Pelo contrário, Lucas. Meus parabéns! Achei seu
texto genial! Muito criativo e muito bem escrito!,
disse o professor devolvendo o texto para Lucas que,
a essas alturas, não conseguia esconder o orgulho e
a satisfação.
– O senhor não achou nenhum erro? Nenhunzinho?
– Nenhum! O texto está impecável!
Lucas pegou o texto das mãos do professor, leu o
bilhete que havia sido escrito para sua mãe e, com
um ar maroto de menino desconfiado, arrematou:
– Ê, professor! O senhor não é de nada mesmo, hein!
Leia comentários sobre livros
de literatura |