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PÁTRIA MADRASTA VIL
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Clarice Zeitel
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RESUMO:
Reflexão crítica sobre a situação
brasileira, apontando suas contradições e
problemas na esfera da desigualdade social
Palavras-chave: Brasil, estrutura
social
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ABSTRACT:
Critical reflection about the Brazilian
situation, pointing out its contradictions
and problems related to social differences
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Key words:
Brazil, social structure
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Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de
inexistência... Exagero de escassez...
Contraditórios?? Então aí está! O novo nome do nosso
país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de
falta de caráter, a abundância de inexistência de
solidariedade, o exagero de escassez de
responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal
engendrada - e friamente sistematizada - de
contradições.
Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe
gentil.', mas eu digo que não é gentil e, muito
menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o
Brasil está mais para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira'. Não me
daria, por exemplo, um lugar na universidade sem
ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da
escravidão se soubesse que me restaria a liberdade
apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não
iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um
verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do
problema, e que contivesse educação + liberdade +
igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter
educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela
falta de oportunidade, pela falta de escolha,
acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe
sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar
liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a
outra... Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais,
revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema
social montado; mudanças que não sejam hipócritas,
mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição.
Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não
ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí.
O povo está tão paralisado pela ignorância que não
sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser
cidadão.
Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o
alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as
mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não
modificam a estrutura. As classes média e alta - tão
confortavelmente situadas na pirâmide social - terão
que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo
para aliviar nossa culpa)... Mas estão elas
preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução
estrutural, feita de dentro pra fora e que não
exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa
acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra?
De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente,
de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja
ligado, justamente, a um posicionamento perante o
mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por
todos...
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam
elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no
Brasil? Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta
vil? Ser tratado como cidadão ou excluído? Como
gente... Ou como bicho?
*
Clarice Zeitel Vianna Silva -
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Premiada
pela UNESCO, Clarice Zeitel, de 26 anos, estudante
que termina faculdade de direito da UFRJ em julho
(2007), concorreu com outros 50 mil estudantes
universitários. Ela acaba de voltar de Paris, onde
recebeu um prêmio da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por
uma redação sobre 'Como vencer a pobreza e a
desigualdade'. A redação de Clarice intitulada
`Pátria Madrasta Vil´ foi incluída num livro, com
outros cem textos selecionados no concurso. A
publicação está disponível no site da
Biblioteca Virtual da Unesco.
Tema: 'Como vencer a pobreza e a desigualdade'- Rio
de Janeiro - RJ -
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