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Uma
das questões fundamentais para que qualquer projeto
político possa ter repercussão positiva no ambiente
escolar é a forma como este será recebido pelos
professores. |
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DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AO COTIDIANO ESCOLAR:
A EXPERIÊNCIA DA IMPLANTAÇÃO DA LEI 11.274/06
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Vania Belli & Viviane Gualter Peixoto
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RESUMO:
Este texto pretende contribuir para o debate
sobre a experiência das escolas com a
ampliação do Ensino Fundamental de oito para
nove anos, a partir da implantação da Lei
11.274/06. Mais especificamente, apresenta o
estudo empreendido em algumas escolas
através de entrevistas e análise de
documentos de domínio público sobre o modo
como se articulam as diferentes demandas e
as proposições legais no cotidiano escolar.
Desse modo, a discussão prioriza três
aspectos: as condições da implantação
(debates, cursos e outras propostas); a
participação dos professores no processo; e
a inclusão da criança de seis anos no
sistema. Os resultados da pesquisa apontam
para uma situação paradoxal já que uma
medida de tão larga amplitude sócio
educacional foi percebida como acarretando
poucas ou nenhuma mudança no cotidiano de
alunos e professores.
Palavras-chave: Lei 11.274/06;
políticas públicas; cotidiano escolar.
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ABSTRACT:
This paper aims to contribute to the
debate on the experience of schools with the
expansion of elementary school from eight to
nine years based on the implementation of
Law 11.274/06. More specifically, the study
undertaken in some schools through
interviews and analysis of documents in the
public domain about how to articulate the
different demands and the legal propositions
in the school’s daily life. Thus, the
discussion prioritizes three aspects: the
conditions of implementation (debates,
courses and other proposals), the
participation of teachers in the process,
and the inclusion of children aged six years
into the system. Survey results point to a
paradoxical situation as a large scale
social education measure has proven to cause
little or no change in the daily lives of
students and teachers.
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Key words:
Law 11.274/06; Public policies; school’s
daily life
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O sujeito da experiência é um sujeito “ex-posto”. Do
ponto de vista da experiência, o importante não é
nem a posição (nossa maneira de pormos), a
“o-posição” (nossa maneira de opormos), nem a
“imposição” (nossa maneira de impormos), nem a
“proposição” (nossa maneira de propormos), mas a
“exposição”, nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo
o que isso tem de vulnerabilidade e de risco.
(Larrosa, 2002)
Este texto tem como objetivo contribuir para o
debate sobre a experiência das escolas com a
ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove
anos, a partir da implantação da
Lei 11.274/06.
Focaliza em sua discussão a percepção dos
professores de diferentes escolas frente aos
desafios suscitados no processo cotidiano de fazer
acontecer, de buscar possibilidades adequadas para a
implementação efetiva da referida lei na escola.
Além disso, analisa as implicações
sócio-educacionais recorrentes à nova lei 11.274/06
por meio da percepção de professores do Ensino
Fundamental. Para tanto, algumas perguntas nortearam
esse estudo: de que forma os professores
participaram das reflexões sobre as especificidades
que essa lei apresenta para a escola? Que mudanças
no cotidiano escolar os professores têm apontado a
partir da implantação da Lei 11.274/06?
Entendemos que a ampliação do Ensino Fundamental a
partir da implantação da lei 11.274/06 constitui
uma decisão política importante que visa a
possibilidade de inclusão das crianças de seis anos
de idade no sistema escolar, já que a
obrigatoriedade de matrícula no Ensino Fundamental
passou de sete para seis anos de idade. Todavia, se
as intenções políticas são positivas em seus
princípios de ampliação do acesso escolar, seus
resultados podem nem sempre corresponder ao ideal na
prática educativa e no desenvolvimento
sócio-cognitivo da criança.
Uma das questões fundamentais para que qualquer
projeto político possa ter repercussão positiva no
ambiente escolar é a forma como este será recebido
pelos professores. Não há dúvida de que muitos
professores consideram a importância da reflexão e
buscam no cotidiano da sala de aula adequar suas
práticas às inovações que surgem na escola.
Entretanto, o isolamento e a não-participação em
ações coletivas mediadas geram conseqüências para a
construção de novas práticas que emergem no
cotidiano da escola. Entendemos que tanto as
práticas quanto a reflexão a partir delas são
construções coletivas que se intensificam na
tessitura de significados compartilhados e
dialogados.
Consideramos nesse texto a experiência numa
perspectiva construcionista de apropriação crítica
pelos sujeitos-atores. Sendo assim, ao analisarmos a
implantação da referida lei, partimos da compreensão
de que só é possível falarmos em experiências
propriamente ditas, na medida em que novos conceitos
são apreendidos, novas estruturas articuladas e
novos posicionamentos assumidos pelos sujeitos da
escola.
Desse modo, a partir da reflexão de
Larrosa
(2002),
sobre a necessidade de o sujeito assumir a
ex-posição no processo da experiência, pretendemos
saber se há ou não uma abertura, ex-posição, para
essa inovação especifica no sistema brasileiro.
Sabemos que a partir da abertura ao novo, novas
mudanças podem se construir no diálogo, nas
sociabilidades e nas interações permitindo a
apropriação e a ressignificação das propostas
pedagógicas em exercício. Ainda acompanhando a
proposta de Larrosa (2002), partimos para a
observação com a seguinte idéia: a experiência é o
que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. A
cada dia se passam muitas coisas, porém ao mesmo
tempo quase nada nos acontece (p.21). A partir dessa
abordagem nos perguntamos o que de fato tem
acontecido no cotidiano das escolas frente à
implantação da lei 11.274/06.
Para entendermos o que tem acontecido no cotidiano
da escola, iniciamos buscando entender de que forma
os professores, sujeitos imprescindíveis nesse
processo, participaram do processo de implementação
da lei na escola. Dentre as (16) entrevistas
realizadas com professores, apenas (6) afirmaram que
a escola promoveu encontros e reuniões para a
discussão da lei implantada em 2006. As demais
afirmaram que não houve capacitação, preparo nem
discussões, mas que a sua implantação aconteceu
automaticamente.
Partindo dessa primeira compreensão, outras passam a
ser desdobradas. Porém, vale destacar que mudar a
organização do espaço e do tempo sem proporcionar
problematizações e reflexões compartilhadas com
professores, significa implantar uma lei, mas,
sustentar práticas inalteradas. Como o professor vai
ressignificar sua prática, experimentar novos
caminhos no campo educacional, se não lhe
possibilitam interações e mediações com as
“propostas” que surgem na escola?
É importante salientar também que mesmo as escolas
que ofereceram capacitação foram descritas pelos
professores como modelos burocratizantes e
informativos, à medida em que promoveram reuniões
para instruir e informar acerca da lei. Segundo os
professores, nenhuma das escolas pesquisadas
desenvolveu um movimento dialógico e focado na
participação e problematização da lei. Nesse
sentido, parafraseando Larrosa (2002, p.22), a
informação não faz outra coisa que cancelar nossas
possibilidades de experiências.
Os professores revelaram também que alguns problemas
foram surgindo no cotidiano das escolas a partir da
implantação da lei. Dentre eles, os que mais se
destacam são: a dificuldade dos pais compreenderem a
mudança; o espaço físico inadequado e ausência do
material lúdico para receber crianças de seis anos
de idade nas salas de aula do Ensino Fundamental; a
imaturidade que as crianças apresentam frente à
demanda de exigência pedagógica conteudista; o
sistema de avaliação ainda centrado no caráter
seletivo e excludente.
Ao buscarmos entender quais mudanças no cotidiano
das escolas os professores têm apontado a partir da
implantação da lei 11.274/06, (8) responderam que
não ocorreu nenhuma mudança, a não ser a de
nomenclatura das etapas de aprendizagem, passando a
ser nomeada por ano de escolaridade. Entre os
demais, (8) apontaram que a escola tem buscado
modificar o seu currículo, o abandono do livro
didático; reestruturar o espaço das salas de aula e
rever o trabalho pedagógico da escola. Entretanto,
foi possível constatar que as mudanças foram muito
focadas em infra-estrutura e poucas foram as
modificações significativas nas abordagens
propriamente ditas como, por exemplo, a mudança no
projeto pedagógico da escola.
Os resultados encontrados nesta pesquisa indicaram
algumas dificuldades na implantação da lei
11.274/06, principalmente por não terem sido
garantidas as condições de preparo das escolas, dos
professores e da comunidade de modo geral. Ao que
tudo indica, o problema reside na falta de encontros
pedagógicos que possibilitem a sociabilidade dos
professores para pensarem e interagirem sobre a
racionalidade política, social e pedagógica das
políticas implantadas.
Importa, pois, considerar que o procedimento pelo
qual é encaminhada a implantação da referida lei em
alguns contextos tem reduzido a participação dos
profissionais da educação no debate, dificultando o
aprofundamento de suas reflexões sobre as novas
formas de atuação no espaço escolar. As mudanças
suscitadas pela proposta em vigor, especialmente no
que diz respeito às questões curriculares, à
avaliação, às diferentes estratégias de organização
do espaço-tempo escolar e ao desenvolvimento
sócio-cognitivo das crianças precisam ser
dialogadas. O silenciamento dos profissionais
favorece, em muitos contextos, a emergência de uma
mudança estrutural pouco problematizadora dos
aspectos essenciais para a ampliação do Ensino
Fundamental numa perspectiva crítica e
transformadora.
Nessa lógica pragmática, é possível identificarmos
as limitações e contradições vivenciadas no cenário
das escolas a partir da ampliação do Ensino
Fundamental, que por um lado, parecem estar
contribuindo para a melhoria das estatísticas da
universalização da educação básica; por outro, nas
práticas cotidianas não se têm dado muita atenção às
características etárias, psicológicas e cognitivas,
especialmente em relação à inscrição da criança no
universo letrado.
Assim, notamos que poucas mudanças têm sido
desenvolvidas no cotidiano das escolas. Desse modo,
a percepção da implantação da Lei de cima para
baixo, hierarquizada sem a articulação do coletivo
da escola para a construção da experiência/sentido
(Larrosa, 2002), nos faz indagar sobre o alcance das
políticas públicas na modificação das praticas
educativas. Se a política implantada não promove
novas experiências para os professores no seu pensar
e fazer a educação, qual seria o seu propósito?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DONDO,
J. Ensino Fundamental: de oito para nove
anos? Revista Projetos Escolares Ensino Fundamental,
1º ao 5º ano,
São Paulo, Editora On Line, Ano 2,
nº13, p.30 – 32, 2006.
GORNI,
D. A. P. Ensino Fundamental de 9 anos: estamos
preparados para implantá-lo?. Ensaio: Avaliação e
Políticas Públicas em Educação,
Rio de Janeiro, v.15, nº54, jan./mar., 2007.
LARROSA,
Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o
saber da experiência. Revista Brasileira de
Educação.
Rio de Janeiro, ANPEd, nº 19,
mar./abr..2002.
Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006.
Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 2006.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
BÁSICA.
Ensino fundamental de nove anos: orientações para a
inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília,
2007.
Vania
Belli -
Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (1992) e Pós-Doutora pela
University of Texas at Austin (1998). É professora
titular da Universidade Salgado de Oliveira, atuando
no curso de Mestrado em Psicologia. Tem experiência
nas áreas de Psicologia e Educação, com ênfase em
Processos Perceptuais e Cognitivos; Psicologia do
Desenvolvimento e Psicologia Educacional. Sua linha
de pesquisa atual é Linguagem e Construção
Psicosocial da Subjetividade na Escola e na Família.
Viviane
Gualter Peixoto -
Possui graduação em
Pedagogia pela Universidade Estácio de Sá (2005) e
mestrado em Educação pela Universidade Federal
Fluminense (2008), no campo de Políticas Públicas,
Movimentos Instituintes e Educação. Atualmente é
professora substituta da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ) e participa do grupo de
pesquisa Linguagem e Construção Psicosocial da
Subjetividade na Escola e na Família na Universidade
Salgado de Oliveira (UNIVERSO).
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