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As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

(Carlos Drumond de Andrade)

 

O analfabeto, principalmente, o que vive nas grandes cidades, sabe, mais do que ninguém, qual a importância de saber ler e escrever, para a sua vida como um todo.

No entanto, não podemos alimentar a ilusão de que o fato de saber ler e escrever, por si só, vá contribuir para alterar as condições de moradia , comida e mesmo de trabalho.

(Paulo Freire)

 

O verso de Carlos Drumond de Andrade já por si sugere a necessidade de se considerarem os fatos e objetos sociais desde uma perspectiva crítica, em que se desconfia das respostas prontas e das soluções absolutas.

É certo que, no poema, o verso tem um valor e um sentido específico. Drumond pensava o mundo em um momento histórico muito intenso, em que vivia a tensão social da segunda grande guerra, e percebia a importância de olhar para a vida com determinação.

Não cremos, contudo, trair o espírito do poeta ao transpor o verso para o debate sobre a educação no Brasil, em particular num momento em que se multiplicam propostas e soluções para os problemas educacionais brasileiros. O fato é que se evidencia uma forte tendência de considerar a educação como um problema técnico e o acesso à leitura (e, por extensão, à informação e e à cultura) como uma questão de estímulo pessoal.

O que buscamos realçar no debate - e para isso apomos fragmento de Paulo Freire ao verso de Drumond - é que a educação tem uma dimensão política irredutível e que, desconsiderá-la é não dar a devida ênfase ao problema e, desta forma, mesmo sem que haja intenção deliberada, sustentar o quadro que propus as desigualdades sociais.

Na sociedade de cultura escrita, não se pensa possível a democracia sem letramento social, sem circulação de informação. Não se imagina a justiça sem as letras. Saber e poder ler e escrever é uma condição tão básica de participação na vida econômica, cultural e política que a escola se tornou, no mundo contemporâneo, um direito fundamental do ser humano, assim como a saúde. Os resultados de enquetes de hábitos de leitura, por sua vez, mostram todos que é senso comum falar que ler é importante e que a maioria das pessoas querem poder ler.

Mas as coisas não são tão fáceis nem se transformam pela simples vontade. Elas têm peso, resistem à mudança, desiludem os sonhos ligeiros e as vontades voluntariosas. É preciso reconhecer que, se a escrita está na base da organização social, isto não quer dizer que basta saber ler e escrever para poder viver neste lugar. A educação, em particular a educação escolar, tem sido, para a maioria das pessoas, muito mais uma imposição de sobrevivência do que o exercício do poder ou uma forma de indagar o mundo. Além da simples capacidade de ler, estão as formas de inserção das pessoas no tecido social e a distribuição da riqueza econômica e dos bens culturais. Isto implica, entre outras coisas, a possibilidade de, lendo ou dizendo no espaço escrito, exercer o poder e o controle dos processos de fabricação da vida. Daí a importância do alerta que faz Paulo Freire da ingenuidade que é imaginar que se constrói uma sociedade justa apenas letrando as pessoas. Não há justiça possível sem transformação nas relações de poder.

Uma retomada dos temas e dos textos bases dos COLEs anteriores evidenciará que há neles uma consistência temática, teórica e política. Isto resulta, contudo, da própria forma como objetivamente têm evoluído os debates nesta área. Não se verificando mudanças substanciais na qualidade de vida e na distribuição da riqueza, também não se verificam avanços significativos no letramento social. talvez, ao contrário, podemos dizer que aumentou a distância relativa entre o que têm acesso aos bens materiais e culturais produzidos pela sociedade contemporânea e aqueles cujo acesso é limitado e restringido. No caso da educação brasileira, as possibilidades de formação são definidas em função do modo como se constitui o sistema educacional, em que se verifica um modelo de apartamento social, em que o acesso à educação, à informação e a outros bens culturais é fortemente diferenciado.

Do ponto de vista do discurso sobre a leitura, encontramos mudanças significativas, as quais, inclusive, resultam em parte de teses levantadas e discutidas nas últimas quatro edições do COLE. Já não se fala tanto em leitura redentora nem se repete tanto a ladainha de que o brasileiro não lê ou não gosta de ler. Enfatiza-se agora, inclusive, nos novos programas oficiais, a questão do acesso à leitura e à educação, compreendidas como ações complementares.

Mas é pouco. Por isso, o tema do 14o COLE aponta para o debate social e para as pesquisas que se fazem e letramento, cultura escrita leitura e educação, a necessidade de se considerarem as condições materiais e políticas objetivas em que se dá a formação dos sujeitos e a circulação de valores e da informação.

 

(Luiz Percival Leme Britto)

 

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